No começo tinha dúvidas, como provavelmente todo mundo

  • Texto e fotos: Claudia. Nikon D800 com Sigma 50-500 VR, celular Sony Xperia U.

E o Vinicius Neves (advogado) foi claro e franco “é um risco assumido. Eu fiz vários testes, é difícil conseguir virar o caiaque, mas risco existe, e a pessoa tem que tomar uma decisão”. Bom, o Vinícius já tinha feito vários passeios, e disse que achava que dava pra se aproximar mais das aves do que quando se está num barco. “Mas será que eu consigo? Sou sedentária, fracote, faz mais de 8 anos que não ando de caiaque”, “consegue sim. Também sou sedentário, além de fumante. A gente vai devagar, não se preocupe”. Tomei coragem e topei. Além do próprio Vinicius, os companheiros da aventura foram o Luccas Longo, Rodrigo Popiel, Murilo Coda e Nathalia Yamauti.

Nos encontramos no Extra ao lado do Burle Marx, com o dia ainda escuro. Seguimos o carro do Vinicius por ruas que pareciam cada vez menos com São Paulo, cada vez mais céu e mais verde. De repente, a visão da represa. Tanta água.

O lugar onde faríamos o passeio fica num condomínio fechado, no bairro Praias Paulistanas. O dono dos caiaques é o Raul Porto Serrichio, um agrônomo especializado em plantas medicinais, muito simpático, que rapidamente levou os caiaques pra água enquanto a gente passava protetor solar, arrumava as câmeras dentro das sacolas impermeáveis que o Vinicius tinha levado pra emprestar.

Caminhamos uns 100 metros até a beira da represa, num ponto que fica em frente ao Solo Sagrado. O dia ainda estava começando, névoa subido da água, aquela luz linda da manhã. Estávamos impressionados com o cenário, e quando colocamos os pés na água, descobrimos que ela estava morna e convidativa.

Todos colocaram o colete salva-vidas de uso obrigatório, o Raul passou as instruções básicas de como segurar o remo, como sentar, que o certo é ficar com as costas bem retas, sentir que você está trabalhando os músculos do abdômen a cada remada. Talvez ele tenha falado que é preciso fazer um pouco de força com os pés contra o caiaque, na parte em que o calcanhar apoia, isso dá estabilidade ao caiaque, mas se falou, não guardei a informação.

Primeiro fomos em direção a uma pequena ilha com eucaliptos altos que é ninhal de centenas de biguás, e onde também ficam dezenas de urubu. O caminho até lá não foi fácil. Vento, ou um pouco de corrente, era difícil remar, estava ficando cansada e preocupada se conseguiria aguentar o passeio todo. Mas logo a água mudou, ficou imóvel como uma sopa, e aí foi uma delícia remar.  Chegando perto da ilha era possível ver a grande movimentação de biguás e urubus voando alto. Nada muito fácil para fotografar, mas a cena era linda, uma sensação de estar num filme que fala de mundos perdidos e pré-históricos.

Na margem havia algumas garças, mas tudo na sombra ainda. Logo fomos para o lado ensoladorado. Dezenas de frangos-d- água-comuns, uma saracura-da-mata que só o Rodrigo conseguiu clicar antes dela se embrenhar, garças-mouras, garças-brancas-grandes, as pequenas, as vaqueiras, gaviões-caramujeiro, jaçanãs adultas e jovens, muitos bandos de biguás cruzando o céu naquela formação em V. Fomos remando e contornado a vegetação, eu sempre um pouco mais pra trás. Éramos um grupo de 7 (o Raul estava nos acompanhando), ou seja, 6 pessoas já tinham passado pelo trecho em que um bando grande de marrecas-cricri descansavam numa lagoa. Eu cheguei, não sei se fazendo mais barulho do que devia, mais próxima do que devia, ou se elas já estavam pensando em sair de lá e eu só fui a gota d´água, mas o fato é que todas voaram quando cheguei. Pedi desculpas pro Rodrigo, que é quem estava fotografando-as na hora, ele disse “não se preocupe, deu fotos bonitas delas em voo”.

E lá fomos nós. Gaviões-caramujeiros sempre zanzando meio ao longe, muitos frangos-d´água, muitas garças-brancas-grandes, jaçanãs, um trecho com dezenas de garças, corocoró, e um colhereiro pontinho-rosa no meio, um lugar com mais de cinco marias-faceiras, muitos biguás no céu.

Não é uma profusão de aves como pegamos no Tanquã, e nem sempre as aves estavam próximas da margem. Mas era tudo uma delícia. Poder se aproximar das aves, vê-las e fotografá-las do nível da água, e de uma forma que é você mesmo quem está se locomovendo, com as forças dos seus braços. Não estava calor – mas o Raul disse que a partir das 11h faz muito calor, água morna.

E a experiência de fotografar?

Depois de um tempo remando você ganha confiança e vê como é improvável o caiaque virar. Por ondulações da água vindas de outro barco? Talvez, mas em horário passarinheiro (das 7h às 10h), ainda mais durante a semana, a represa estava vazia, foram poucos os barcos que passaram por nós, e bem de longe. O Raul disse que em geral o pessoal respeita a turma do caiaque, não passam muito perto nem muito rápido.

No começo a câmera foi dentro da sacola impermeável. Dentro do caiaque estará sempre molhado, você vai molhar o shorts, e a bolsa. Enquanto você rema, dependendo do ângulo respinga água. Mas logo você aprende um ângulo que dá menos velocidade, mas não respinga água, e dá pra levar a câmera no colo, como eu fiz.

Na verdade, o que fiquei com mais receio foi do celular, que levei pra tirar fotos de cenário. Quando estendia os braços para fotografar o cenário, parecia fácil escapar da mão e cair na água. Mas a câmera não dava medo, mesmo sem precisar colocar a alça no ombro.

Na volta (pelo trecho ondulado e cansativo), quando já estávamos quase chegando na margem, apareceu a águia-pescadora. Primeiro uma forma incerta no contra-luz, depois fotografamos e vimos que era mesmo ela. O Luccas foi sortudo e mais rápido, ele estava vários metros pra direita, e quando passou por ele estava voando mais baixo, conseguiu uma foto bem de perto.

Uma das dificuldades de fotografar do caiaque é que se você perde o ângulo tem que pegar o remo e se reposicionar. Em alguns momentos tentei me contorcer um pouco, mas lembrei das minhas próprias palavras quando combinava o passeio “pra virar o caiaque, é preciso fazer muita bagunça”, e imaginei que ficar se contorcendo entrava na categoria muita bagunça, então me comportei.

Há outros fatores a levar em consideração. Quando você vai fotografar de dentro da água, seja caiaque ou barco, tudo balança. Você precisa ter muito mais velocidade do que teria em terra, para a imagem não ficar tremida. Em dias de sol também há o problema de queimar o branco das garças ou de áreas claras do cenário, ainda mais porque você estará com a velocidade alta, então também é importante colocar uma composição negativa de exposição. Comecei com ISO 800, em alguns momentos 640, abertura 7.1, compensação entre -0.7 e -1. Em geral tinha pelo menos 2.500 de velocidade.

O amigo Gilberto Müller contou da experiência dele com caiaque, e dá pra fazer uma lista dos fatores que fariam você ficar frustrado com o passeio: sempre vá em caiaque individual (se você for nos duplos, ou triplos, vai tremer muito mais); confirme com a pessoa que vai alugar o caiaque como serão as condições da água, se há chance de vento ou correnteza, isso atrapalha muito a fotografia. E finalmente, a questão da luz: em dias escuros ou antes do sol nascer será improvável conseguir fotos.

Depois que saímos da água tentamos dar uma voltinha na terra. Gavião-caramujeiro jovem e adulto, havia um casal de mergulhão-pequeno (mas que eu não vi), garibaldis, quero-quero, anu-preto. Já eram umas 10h30, tudo silencioso, aquele sol, e acabamos voltando.

O Raul vende água, cerveja, refrigerante ou água de coco de verdade, na fruta, tudo bem gelado, e também há uns pacotinhos de batata frita. Após o passeio ainda ficamos um tempinho papeando e tomando nossas bebidas.

Eu estava moída. Falei da instrução de fazer força com o calcanhar contra o caiaque, algo que não fiz, e só depois que o Murilo me contou que estava com a panturrilha doendo, mas que empurrar com o pé dava estabilidade pro caiaque e as remandas rendiam mais, pensei que devia ser por isso que eu estava sempre pra trás, e provavelmente fiz muito mais esforço do que precisava ter feito. Doíam partes diversas dos braços e também os pulsos. Mas não tinha problema, estávamos muito contentes com o passeio, e com vontade de voltar logo. No dia seguinte as dores já tinham passado.

Foi um dos passeios mais divertidos que já fiz. E além da diversão do passeio, tive o orgulho de ouvir o Vinicius me contar que ele começou a passarinhar influenciado por dois sites: o Wikiaves e o Virtude-AG. Me senti numa parábola cristã ou algo do tipo. Esse mundo passarinheiro traz muitas alegrias.

Muito obrigada ao Vinicius Neves por ter nos convidado pra esse passeio, e pela companhia sempre alegre do Luccas Longo, Rodrigo Popiel, Murilo Coda e Nathalia Yamauti. Agradeço também ao Raul, que não é só um ótimo prestador de serviço, é alguém que ama a natureza, e consegue entender nossa paixão pelas aves.

 

Como fazer o passeio

É preciso reservar com antecedência. Entre em contato com o Raul, pelo Facebook ou pelos telefones: Claro 9 9257-4860 / Vivo 9 7474-7660 / Tim 9 8710-1832

https://www.facebook.com/raul.portoserricchio

Para chegar lá, basta jogar esse endereço no GPS ou no Waze:  Rua Luís Roberto da Costa Vidigal, 200. O endereço completo é Bairro Praias Paulistanas CEP 04870-230 (da Vila Madalena dá cerca de 1h nos horários sem trânsito). Quando você está quase chegando tem uma portaria do condomínio, explique pro porteiro que você está indo passear de caiaque com o Raul.

O preço do aluguel do caiaque é R$ 20 / hora em fins de semana. Durante a semana, o Raul consegue dar descontos, como R$ 50 pela manhã toda, ou até mais barato se for em grupos grandes. Nós ficamos quase 3h, acho que é uma estimativa boa de tempo pro passeio, mas é claro que dá pra ficar mais, principalmente se você gosta de ficar parado na margem observando as aves.

Pode ir de chinelo e shorts. Manga longa de tecido leve protege mais. Filtro solar, repelente, chapéu, garrafinha de água, barrinha de cereal ou alguma bolacha. E bom passeio!