• Texto: Claudia
  • Fotos: Claudia e Cristian, câmeras diversas

O sabiá-laranjeira não te deixa dormir? Ou conhece alguém que tem reclamado muito do sabiá? Neste post, uma sugestão de como resolver o problema

Antes de começar a me interessar pelas aves eu era um zero à esquerda em identificá-las. Ia passear no Parque do Ibirapuera com meus amigos, e sempre reparei numa ave grande, gorda, barrigão alaranjado, com olhar de quem está sempre tramando e, o que mais me consternava: em vez de voar ela andava e saltitava pelo chão. Eu achava que passarinho que se preze é pequeno, fofo, bonitinho e voa! Aquela ave parecia fazer aquilo só para me irritar.

Por ser grande e andar pulando pelo chão, batizei o bicho de “tico-tico-rei”. Podem rir. Eu ainda não sabia que rei é quem tem coroa, acrescentei o rei só por causa do tamanho avantajado comparado à minha noção de ave.

Alguns anos mais tarde descobri que o pássaro gordo com olhar de quem está sempre te analisando – e dando notas baixas, é o famoso sabiá-laranjeira, ave símbolo de São Paulo e do Brasil. E uns meses depois descobri que ele é gordão e atrevido aqui em São Paulo, mas  em outras cidades é arredio e arisco. Sabem por quê? Porque as pessoas os matam com estilingue ou espingardinha. Pra comer. Ou por prazer.

Nesta semana apareceu no Facebook a discussão sobre o sabiá-laranjeira. Talvez eu leve uma estilingada dos meus colegas birdwatchers, mas fiquei aqui pensando, e queria dizer: eu acho que as pessoas têm o direito de reclamar do canto do sabiá-laranjeira.

Acho que elas têm o direito de reclamar, porque sempre fui a favor de desabafo, de xingar até. Extravasar. Dois minutos de fúria. Pra poder voltar logo ao estado normal de tranquilidade – imagino. Melhor do que ficar se remoendo aos poucos.

Acho que não é certo nós birdwatchers dizermos que as pessoas não podem reclamar do sabiá-laranjeira, afinal, ele realmente não deixa algumas pessoas dormirem. E não adianta dizer que é melodioso, que é bonito – para quem tem o sono sensível, qualquer som incomoda, mesmo que fosse a música favorita da pessoa. Ser acordado por ela toda madrugada a faria detestar o som.

Ao mesmo tempo, também preciso dizer que os que reclamam do canto do sabiá – e só reclamam, ou pior, talvez fiquem tramando podar árvores, contratar caçadores, comprar estilingue ou veneno, vocês estão perdendo a chance de evoluir como pessoas.

Não é proibido reclamar. Mas é infantil e coisa de gente mimada ver só pelo ângulo do próprio umbigo. A não ser que você seja do tipo que realmente acredita que a Terra e o Universo existem em função do ser humano.

A gente não precisa nem partir para uma visão mais fraternal. Imagino que você tenha uma noção de equilíbrio ecológico e as consequências do desequilíbrio ecológico. Não estamos livres disso. Aliás, apesar de tudo que sabemos sobre ecologia, continuamos no caminho da destruição da Amazônia, desertificação e diversos cataclismas que tornarão a vida neste querido planeta azul muito pior do que é hoje – principalmente para os seres humanos.

O que o sabiá-laranjeira tem a ver com isso? Pense bem. Se você acha difícil suportar o canto de uma ave, e preferiria o silêncio absoluto dentro de um bloco de concreto fechado e com ar-condicionado, como é que você vai descobrir a natureza? Como é que você vai sair para viajar pelo Brasil ou pelo mundo, em lugares em que é possível ter contato com ambientes naturais, o nascer e o por do sol, brisa, ventania, chuva, calor escaldante, frio congelante, os animais vivendo a vidinha deles, insetos, o canto das aves de dia e de noite, encontro com outros mamíferos, se interessar pela fotografia macro e conseguir olhar ao redor com uma lupa no olhar, como você vai se apaixonar pela natureza e entender que ela realmente precisa de cuidados. Entender que a natureza precisa das suas escolhas como eleitor e como consumidor?

Você não vai. Enquanto você estiver fechado na sua caixa, precisando de silêncio absoluto e tudo sob controle, a destruição da natureza – e a grande piora de qualidade de vida para nós humanos, continua a pleno vapor.

Você, que separa o lixo reciclável, usa ecobag, assina os abaixo-assinados do Greenpeace e do Avaaz, dê um passo a mais: deixe a natureza entrar na sua vida, permita-se se apaixonar por algo. Não brigue com o sabiá-laranjeira: programe um fim de semana ou férias para ter mais contato com o mundo verde e parar de se sentir tão separado da melodia das aves.

Faça um religare. Nós, seres humanos, também fazemos parte da natureza. E posso lhe dizer com toda a certeza: quem sabe se conectar com os ambientes naturais, e consegue perceber e respeitar as outras formas de vida que sobrevivem mesmo estando numa cidade como São Paulo, que sabe caminhar devagar, observar, e apreciar a beleza de tudo que está em volta – inclusive o canto de você sabe quem – vive mais feliz do que as pessoas que precisam do caixote fechado. Sai da caixa e vem conhecer o mundo.