Neste slideshow tem minhas fotos de amadora, mas são imagens favoritas por mostrarem algo incomum ou bem harmonioso. No post explico os critérios e mostro exemplos de fotos (de outras pessoas) que ganharam concursos, e também fotos minhas que têm aparência mais profissional, mas que não são meu objetivo

 

Opiniões pessoais sobre a fotografia de aves: a busca pelo mundo secreto das aves e o problema do fundo limpo de Arthur Morris

  • Texto: só Claudia (Cristian e Daniel não têm culpa)
  • Fotos diversas no Brasil e em outros países

Arthur Morris é um dos mais renomados fotógrafos de aves do mundo. Um dos jurados do concurso do Avistar – o maior da América Latina, e seu estilo de fotos que buscam a plasticidade de uma pintura influencia o birdwatching brasileiro e, coincidência ou não, outros fotógrafos pelo mundo. Ainda que de méritos inegáveis, acredito que esse foco na plasticidade da imagem pode limitar a criatividade e o potencial das pessoas, e que não deveria ser o primeiro valor de uma imagem.

Arthur Morris está na ativa há muitos anos. Um de seus livros mais famosos, the Art of Bird Photography, é de 2003 (parece que não teve atualização ou reimpressão, a edição à venda na Amazon é de 2003). Em 2003 a fotografia digital para aves estava bem no início, e usar ou não autofocos ainda era uma questão que merecia um capítulo.

Antes da revolução das câmeras digitais a produção de imagens era muito menor. Havia um punhado de profissionais, e poucos amadores podiam se dar o luxo de gastar dezenas de rolos de filmes perseguindo aves. Entre as imagens produzidas, fotos com fundo limpo, luz bonita, aves de perto com certeza se destacavam como obras distintas bastante agradáveis ao olhar.

Fundo limpo – luz bonita – ave de perto com peninhas bem definidas.  Não é isso que todo mundo quer?

Na verdade, até hoje parece que isso é o que muita gente busca. Sem problemas. É um objetivo louvável, as imagens são bonitas e ficam com cara de profissional. Mas… nunca aconteceu de você olhar uma dessas fotos e ter a sensação de que já a viu em outro lugar?

Se você tem interesse pela fotografia de aves, e costuma ver e comprar livros, e ver sites de fotos, com certeza já viu aquela foto em outro lugar. Feita por outra pessoa, que também buscou o fundo limpo – luz bonita – peninhas definidas.

Fotos que estão mais ou menos corretas, mas que não são minha meta

Esse estilo de foto produz uma imagem indiscutivelmente bela, e que sempre impressiona a maior parte das pessoas. Mas e os birdwatchers? Será que meus colegas não se incomodam com essa sensação de déjà vu? Fico pensativa quando vejo fotos assim ganharem concursos, ou quando leio os comentários dos meus colegas birdwatchers, que aparentemente consideram esse estilo de foto a meta da fotografia de aves.

Comecei a me interessar por fotografia de natureza em 2005, e me tornei birdwatcher em 2009. No início ave focadinha, no limpo, no aberto, de perto era realmente uma comoção – porque quando você começa a fotografar, o resultado mais comum é um galho onde antes havia um passarinho, fotos com foco na folha e não no bicho, fundo feio, bicho escondido.

Muitas fotografias que eu admirava bastante já não me impressionam. Porque são imagens bonitas, plásticas, mas de um bicho fazendo nada. Fotos que eu penso “isso eu também faço”, no sentido de “muita gente consegue uma foto assim”.

O que desperta meu interesse? Hoje são principalmente estes fatores: (1) cenas de ação e comportamento, (2) fundo-luz-cenário bonito, interessante, (3) fofoleza – bichos namorando, cuidando uns dos outros, olhando para o fotógrafo com ar meigo, fazendo alguma pose engraçada. E tudo isso vale desde que sejam cenas plausíveis, que não me façam pensar que havia vários flashs sincronizados, que aquilo não é chuva e sim uma mangueira, que aquele tronco é arrumadinho demais, que ave brigando em comedouro deveria ter uma categoria especial, e nunca fazer de conta que foi na natureza, ou que o fundo está tão limpo que talvez seja estúdio ou Photoshop.

Tentava explicar esses critérios para o Cris (meu marido), e ele veio com uma das suas sínteses que é um dos motivos pelos quais eu o amo: “o que você busca é um mundo secreto e maravilhoso das aves. Você quer uma fotografia que é como se fosse um portal”.

O mundo secreto e maravilhoso das aves. Não quero imagens que sejam como uma pintura, ou melhor, elas podem ser lindas como uma pintura, mas esse não deve ser o primeiro critério. Pra mim a primeira qualidade de uma foto de aves é essa sensação de privilégio em poder observar um pouco da vida desses camaradinhas tão cativantes. A cena plástica demais, perfeitinha demais, pra mim faz pesar a mão do homem. Quebra a magia.

Recentemente algumas fotos de que gostei bastante são do livro “Wildlife – Photographer of the Year – Portfolio 20”, de 2010. O livro é o resultado do concurso promovido pelo Museu de História Natural de Londres. Nessa rodada recebeu mais de 31 mil inscrições de 80 países. A vencedora na categoria comportamento mostra uma ave de rapina levando a presa nas garras. As asas não estão congeladas no movimento, e sim levemente borradas. Fundo totalmente branco. Não há luz especial. Mas o que nos choca é o que ela leva nas garras: uma gaivota maior do que ela, viva, com o bico aberto e certamente gritando de pavor. O autor é Arto Juvonen, da Finlândia, e imagino que a foto foi feita lá. Usou uma Canon Mark IV, lente 500 f4 com tele 1.4, f 7, 1/2.500, ISO 1.600.

Fotos do livro Wildlife Photographer of the Year

A outra imagem, finalista, é de uma grande coruja em voo, de frente. Também não há luz especial, fundo branco, as pontas das asas estão cortadas. O foco não está na cabeça da ave, mas nas asas, algo comum de acontecer em cenas de ação. E o que a torna tão especial é que há um corvo pousando em cima dela, ainda não inteiramente pousado, as garras quase se cravando nas costas da pobre coruja. É uma cena que a maioria dos birdwatchers já viram: uma ave menor enxotando aves de rapina. Mas pra pegar uma imagem dessas, próxima assim? O cara foi muito sortudo e competente. O autor da foto é Jim Neiger, usou uma Canon Mark III, lente 500 f4 com tele 1.4, 1/1000, f 5.6, ISO 1.250.

Uma das imagens que recebeu o selinho de “Altamente recomendada”, também na categoria comportamento, pra mim é campeã no item fofoleza: três jovens corujinhas, parecidas com nossas buraqueiras, pousadas num tronco. Mas uma abre as asas e se inclina sobre uma outra. Essa outra tem a cabeça erguida em direção à de asas abertas, os bicos quase unidos num beijinho de irmãos, as duas parecem estar de olhos fechados. A terceira está pousada próxima, sem ação, mas olha diretamente para o fotógrafo com aqueles olhos doces. Fundo homogêneo marrom, no tom das corujas. A foto é de Ilia Shamaev, de Israel, que as registrou numa pedreira perto da cidade de Kiryat Gat. Ele reparou que a família de corujas gostava de uma pedrona, então ele foi lá e colocou um tronco bonito nessa pedra. Muitas aves não resistem a um poleiro. Elas pousaram lá, o que acrescentou o elemento do tronco, e colocou como fundo a areia. Ilia tirou muitas fotos, incluindo o momento terno entre os irmãos. Feita com uma Canon 5D, lente 500 f4 e tele 1.4, f 5.6, 1/250, ISO 400, tripé e hide.

Esse é o tipo de situação que o tronco plantado não me incomoda nem um pouco, porque a cena é crível. A ação a torna crível. Acho improvável que em estúdio ou em cativeiro surgisse uma cena assim.

A outra foto de que gostei bastante é um beija-flor fotografado com uma lente macro adaptada. O fotógrafo posicionou a câmera numa das flores que o beija-flor visitava, e ficou com um disparador na mão. É um ângulo muito interessante, você vê a foto e pensa “onde ele estava, como ele conseguiu esse ângulo?”, aparece a orquídea principal, outra no fundo, todo o fundo verde-floresta. A foto foi feita no Panamá, o fotógrafo é alemão, Christian Ziergler. Levou só duas semanas de tentativas para conseguir essa foto. Equipamento: Canon Mark II, lente 17mm f 2.8, flash, 1/60, ISO 400, tripé e disparador.

A imagem de fundo limpo, ave totalmente no aberto, peninhas definidas e às vezes congeladas sempre será estética e distinta. Mas conforme a fotografia digital evolui, a quantidade de fotógrafos amadores e fotos feitas, divulgadas na internet, aumenta vertiginosamente, será que como fotógrafos de aves não deveríamos buscar algo além do tecnicamente correto?

O que será que as pessoas buscam na fotografia de aves?  Uma imagem que será elogiada? Uma imagem que poderá ser vendida? Não importa quantas fotos semelhantes existam, acho que ainda por alguns anos essa plasticidade no estilo Arthur Morris sempre será reconhecida como algo distinto.

Entretanto, eu vejo esse crescimento da fotografia, e pra mim já pesa a sensação de comparação com o que é divulgado na internet. As fotos não existem como objetos isolados, com o surgimento desse oceano de amadores, não consigo olhá-las sem comparar. Uma foto pode ser bonita e correta  sem ter algo inusitado, diferente, raro. E quando ela ganha um concurso, me vem aquele sentimento de “mas é tão parecida com outras…”.

Em concursos de fotografia de aves, ou mesmo como meta pessoal, será que não deveríamos sempre levar em consideração o conhecimento de campo e as fotos de internet? A dificuldade para se fazer algo, a raridade do momento, o portal para o mundo secreto, a capacidade da foto nos mostrar algo que não sabíamos, não imaginávamos, ou que nunca tínhamos visto algo tão diferente, impressionante, ou meigo: será que essas características não deveriam estar acima da plasticidade?

Claro que no mundo ideal, a fotona do concurso vai aliar os dois lados. É algo inusitado e tchans e, além disso, está com o fundo limpo, no aberto, de perto, super-definido. Mas todos sabemos que imagens assim são raras.

Não precisamos seguir por um caminho ou outro, é possível buscar os dois, ou mesmo focar mais em um no que no outro. Mas o que me incomoda é que o caminho da plasticidade, a meu ver, não deveria ser o principal – como hoje parece ser. Atualmente já tenho essa sensação de “bonita, mas tão igual a outras que já vi”, e acredito que conforme a produção e divulgação de imagens aumentam, essa percepção terá uma expansão inevitável entre muitas pessoas.

As imagens como as que me levaram a comprar o livro do concurso do British Museum são raras. E reparei no equipamento profissional dos fotógrafos vencedores, fundo limpo, aberto, etc. Entendo que se a foto do gavião com a gaivota não estivesse com fundo limpo e no aberto seria mais difícil ela ganhar o prêmio. Mas transpondo o critério para nosso mundo amador, para mim uma imagem como essa, mesmo que tivesse fundo feio, galhos na frente, teria muito mais valor do que uma águia linda, com luz incrível, em voo, no aberto, céu azul, mas carregando uma presa comum.

E sabe o que me incomoda? A desconfiança de que muita gente – inclusive gente com conhecimento de campo, ia preferir a águia lindona à uma imagem com composição amadora, mas que mostra algo incrível do comportamento animal.

Tenho essa sensação de que a plasticidade da imagem anda mais valorizada do que devia. Num concurso de fotografia de aves, o conhecimento de campo, a consciência do que é comum e do que é raro nunca poderia ficar abaixo do lado plástico.

A meu ver, aves comuns fazendo coisas comuns não deveriam ganhar grandes concursos de fotos de aves – só porque elas preenchem o requisito de fundo limpo e/ou homogêneo, no aberto, de perto, foco perfeito.  Na minha opinião quem merece os prêmios são as imagens que captam o especial, o inusitado, o surpreendente. Mesmo que elas tenham os elementos amadores de fundo não homogêneo, ave não inteiramente no limpo, foco que não está na cabeça da ave.

E queria deixar claro que essa postura não contraria o meu Lado B :o) Eu sou totalmente a favor de fotos de aves comuns, mas para ganhar um concurso, precisaria ser uma imagem incomum.

Arthur Morris é um grande fotógrafo, e bastante influente. Suas belas imagens levaram muitas pessoas a olharem para a fotografia de aves com outros olhos. Como ele mesmo conta em um de seus livros: a considerarem esse estilo de fotografia como arte.  Mas com o passar dos anos, com esses milhões de fotógrafos amadores, acho que já começamos a viver o déjà vu e que a pura plasticidade deveria ser um valor secundário, não primário.

O resultado do concurso de aves que Arthur Morris promove em seu site reflete o que eles consideram ser ótimas fotos de aves. Imagens bonitas, mas que não me levariam a comprar um livro, como comprei o do concurso do British Museum. Fotos bonitas, mas quem me trazem a lembrança de outras fotos parecidas, e que não me fazem cruzar o portal.

Concurso_Arthur_Morris

Vi o resultado do concurso e bateu aquela leve tristeza em ver que a plasticidade com certeza pesou mais do que o inusitado, o surpreendente

Como afirmei desde o início, este é um artigo bastante pessoal. Sei que nem tenho currículo para falar do assunto, mas o birdwatching faz parte da minha vida, e estou sempre pensando em seus diversos aspectos. Espero que este texto incentive outras pessoas a descobrirem de que gostam e o que valorizam na fotografia de aves. Essa consciência ajuda a direcionar nossas escolhas de passeios e atitudes no campo.

E você, o que busca nas suas fotos de aves? E qual deveria ser o critério de um concurso de fotos de aves? Pode apenas pensar sobre o assunto, ou se quiser, escreva e envie para ser publicado no www.virtude-ag.com.