Aves diversas, e a joia do campo rupestre: o beija-flor-de-gravata-verde

  • Texto e fotos: Claudia – Canon 7D e lente 100-400
  • Passeio na região de Glaura dos dias 16 a 19 de outubro de 2012, na companhia do Wagner Nogueira e da Camila Lima. Com participação do João Sérgio Barros, Ricardo Mendes, e Leandra.
  • A estiagem tornou o mês de outubro silencioso, mas com a experiência de alguém como o Wagner, vi-ouvi 120 espécies (ele com certeza ouviu muito mais), inclusive 10 lifers como o formigueiro-da-serra, o chorozinho-de-chapéu-preto, a guaracava-de-crista-alaranjada, e o inacreditável beija-flor-de-gravata-verde (em Nova Lima).

Conheço o Wagner Nogueira há anos, pelo Wikiaves. E que frequentador do Wiki não o conhece? Moderador de declarações e identificações exatas, sempre muito lógico e sensato. Na época em que trabalhava na consultoria, pedi ajuda com legendas para um calendário da Mata Atlântica, me ajudou com toda boa vontade. Meu chefe soube e disse que não podia ser assim, que ele não era funcionário da empresa e precisava ser pago. Mas o Wagner não queria. Insisti muito, falei que eu ia levar uma bronca grande. Ele ainda fazia faculdade (ele não entrou tarde na faculdade, ele é novo mesmo), e aceitou que eu comprasse alguns livros. Sobre aves, é claro.

Mas nunca fomos próximos, de papear por e-mail. E não conversava com ele talvez há uns 2 anos. Poderia ter achado estranho ele me convidar pra ir passarinhar em Três Marias, local em que ele estava fazendo um levantamento de espécies, onde poderíamos ver bichos como o caburé-acanelado e o cara-dourada. Mas sou neta da minha avó, e aprendi com ela que se alguém quer te dar um presente, você diz “aceito, muito obrigada”.

Não deu certo de ir para Três Marias, mas combinei para ir passarinhar na região de Belo Horizonte. Avisei o João Sérgio Barros, o Daniel Esser, a Juliana Oliveira e o Ricardo Mendes. O João e o Ricardo, junto com sua esposa Leandra, puderam aparecer.

Fui pra BH na terça à tarde. O Wagner e a Camila Lima (namorada do Wagner, uma moça com uma paciência de santa com esses passeios passarinheiros) foram me pegar e fomos pra Cachoeira do Campo. Chegamos no fim do dia, o Ricardo e a Leandra nos encontraram e fomos atrás do caburé-acanelado, que até respondeu do outro lado da rodovia, mas não quis aparecer “tem toda essa mata aqui embaixo, por que o bicho vai ficar na rodovia? Pra pegar bicho que morre atropelado”, disse o cientista. A minha hipótese era “por tédio”.

Na quarta de manhã o João nos encontrou em frente ao hotel e fomos todos para a área em que o Wagner precisava fazer o monitoramento. João-botina-do-brejo, tangará, pichororé, com foto dele inteiro, canário-do-mato, pula-pula-assobiador, pula-pula-de-barriga-branca, andorinha-serradora, rabo-mole-da-serra. Ou caindo-mole-da-serra, porque estava olhando pra cima, fotografando o rabo-mole, e andando pra trás quando caí num buraco de erosão de chuva de uns 2m de profundidade. Só esfolados e roxos na perna, mas nada grave, fora a vergonha da queda, é claro.

O Ricardo e a Leandra tinham que ir embora, não puderam ver quando o pica-pau-chorão voltou. Que pica-pau diferente, camuflado até. Eu, o João e o Wagner pudemos aproveitar por um bom tempo o rabo-mole-da-serra, que continuou indo e voltando com a ajuda do playback do Wagner. Na volta pra Cachoeira do Campo ainda pegamos um casal de tapaculos-de-colarinho, que o Wagner conhecia o ponto. Ah, e na ida também tentamos o maxalalagá, que respondeu, mas não quis dar as caras. O João também foi embora, almoçamos e combinamos de sair mais tarde.

À tarde o tempo estava bem fechado. Mesmo assim, um surucuá-variado, com direito a filme, um limpa-folha-de-testa-baia. À noite, um bacurau-tesoura, outro lifer. E o caburé-acanelado respondeu, mas nada de dar as caras. O Wagner já tinha avisado “o bicho é reconhecidamente ordinário”.

Na quinta-feira começamos o dia em uma área mais aberta e degradada. Cantavam muitos ticos-ticos-reis-cinza. Apareceu a choca-de-asa-vermelha, bicho novo no levantamento do Wagner. Canários-da-terra-verdadeiros, linda guaracava-de-topete-uniforme sob a luz da manhã, joão-teneném, vite-vite-de-olho-cinza, chorozinho-de-chapéu-preto, teque-teque a alimentar filhotes, saíra-de-chapéu-preto, alma-de-gato, formigueiro-da-serra, tangará, tucão, o limpa-f0lha-de-testa-baia, papa-taoca-do-sul sob o sol, viuvinha, tachuri-campainha. E ainda fomos pra área onde aparece o macuquinho-da-várzea, que cantou bonito, mas nada de dar as caras. “O bicho deve ter fotofobia, se aparecer na luz do sol deve queimar que nem vampiro” – Wagner.

Ainda teve mais: depois do almoço me levou pra Nova Lima, o tal local famoso para ver o beija-flor-de-gravata-verde. Tivemos a sorte de ter floração daquela florzinha azul que vou ter que perguntar de novo o nome, e ver o beija-flor. Havia pelo menos dois machos: um mudando de plumagem, outro lindo e glorioso. Foi muita emoção ver o bichinho! Andamos pelo campo rupestre, mas a área com maior probabilidade era no começo mesmo, no resto do campo não achamos mais flores azuis abertas. Voltamos pra lá. Num dos momentos vi o gravatinha sair, fui andando devagar, encontrei-o pousado na sombra, fui me aproximando, aproximando e tirei muitas fotos, quase todas tremidas, de emoção mesmo por ver tão de perto esse beija-flor.

Mas o momento mais especial, desse dia tão especial, foram os últimos minutos de luz. Fim de tarde, aquela luz dourada do entardecer, apareceu uma revoada de aleluias. Em meio a um campo rupestre, um dos lugares mais lindos que existe, mesmo sendo um campo degradado. O chão de ferro, orquídeas, bromélias, cactos, flores, eu tendo que ignorar quase tudo pra focar no gravatinha. Naquele lugar, com aquela revoada, vendo as asas dos insetos contra a luz. Estava me sentindo num filme, ou num conto de fadas, ou num filme de contos de fada.

Então o gravatinha voltou. No lugar onde o Wagner achou que voltaria, e estava lá, há uns 15-20 minutos parado, esperando, como fazem os bons profissionais. Eu sou do tipo que até consegue esperar, mas naquele dia estava tão encantada com o campo e o gravatinha que não tinha conseguido sossegar.

Ouvi os cliques da câmera, fui pra perto do Wagner, sem sair correndo, ainda parei pra tirar uma foto do cenário, e como Deus é pai, o beija-flor esperou eu chegar e me posicionar, e então se virou pra gente, mostrou o verde que não é só uma gravata, é uma máscara toda, flutuou-pairou como ser encantando que é, e depois foi embora. Assim como a luz.

Eu estava com medo de olhar pra câmera e descobrir que tinha perdido, desfocado, tremido muito. Mas quando tive coragem de olhar, encerramos o dia em grande comemoração e alegria. Passarinhar é sempre bom, mas ter o privilégio de passear num lugar como esse, ver um bicho como esse, que só existe num pedacinho do Brasil, lindo assim, conseguir foto boa na luz de fim de tarde em meio a uma revoada de aleluias, na companhia de outra pessoa que também ama as aves e tem a mesma sintonia de apreciar tudo da natureza… como dizem: sem palavras.

No dia seguinte fomos para uma outra área que o Wagner tinha que monitorar. O lugar em que tínhamos tentado ir no dia anterior, mas os caçadores chegaram antes. Mata quieta, e mesmo assim vimos um casal de vira-folhas, o olho-falso, um quati e um mico, tangará, guaracava-de-crista-alaranjada, guaracava-cinzenta, barranqueiro-de-olho-branco, formigueiro-da-serra, saíra-douradinha, pichororé, abre-asa-de-cabeça-cinza, picapauzinho-anão, bagageiro, e o famoso (pelo nome infame) capacetinho-do-oco-do-pau, que pousou do nosso lado.

Infelizmente era hora de voltar pra São Paulo. Voltamos pro hotel, me aprontei, almoçamos. O Wagner e a Camila me levaram pro centro de Belo Horizonte, onde peguei um táxi e fui pra Confins.

Apesar dos muitos momentos de silêncio na mata, foi um passeio espetacular. Conhecer o João Sérgio, o Ricardo, a Leandra e a Camila, conseguir boas fotos, poder ver de perto tantas aves lindas, e ter o privilégio da companhia e toda a experiência do Wagner. Que mais uma vez, se recusou a aceitar dinheiro, não me deixou nem pagar gasolina. Falei que não posso voltar a sair com ele assim, vou me sentir abusando. Ele disse que na próxima vez ele aceita. Vamos ver. Descobri que a bateria do notebook dele morreu. Falei “então deixa eu pelo menos comprar uma bateria nova pra você”. Nem respondeu meu e-mail.

O Wagner é ornitólogo e consultor, e tem vida de consultor. Vida de consultor significa estar totalmente à disposição dos clientes, e às vezes ter prazos bem malucos. O Wagner disse que tem vontade de trabalhar como guia, para mostrar um pedaço de Minas Gerais que é bem ignorado, mas cheio de belezas. O problema é a incompatibilidade com o trabalho de consultor. Se quiser conhecer a região de Glaura, a Juliana Oliveira – ecolojuba@yahoo.com.br (que inclusive é amiga do Wagner) conhece bem a região, e pode te guiar.

Ficamos no Hotel Bandeirantes (não tem site, mas pode confiar: (31) 3553-1293. Pessoal bacana, aceitam cartão), no distrito de Cachoeira do Campo. Um achado do Wagner: o hotel fica junto de um ótimo restaurante de comida mineira, internet gratuita e boa, quartos bem simples – mas quem fica no quarto? Com café da manhã. Diária de R$ 55. O café da manhã começava oficialmente às 6h, mas às 5h já tinha suco e pão de forma, presunto e queijo, dava pra fazer um lanche e enfiar na mochila.

Pegamos uma época em que as aves estavam respondendo pouco, e mesmo assim foi muito bom. Segundo o Wagner, no verão fica bem mais movimentado, e as chuvas são breves. Para ver o caburé-acanelado, o melhor é depois do carnaval. A região é muito legal, mas recomendo só ir com guia, sem guia parece bem difícil.