O Pantanal entra fácil em listas dos locais mais espetaculares do mundo, meca de birdwatchers. E com toda razão: é festa o tempo todo. A Amazônia tem muito mais espécies, mas não com essa proximidade, luz, facilidade, mansidão. E agora o Pantanal Norte tem um plus a mais: Porto Jofre é o melhor lugar do mundo para ver a onça-pintada.

A Transpantaneira é uma estrada larga de terra, construída como um aterro de 147km, que vai da cidade de Poconé (a 100km de Cuiabá – MT) até a localidade de Porto Jofre. O plano original da estrada era chegar até Corumbá – MS, mas descobriram que seria bem difícil devido aos alagamentos e às dificuldades em construir uma ponte sobre o Rio Cuiabá.

Há muitos bichos em volta da estrada, especialmente na região do Portal da Transpantaneira. Muitos jacarés e aves aquáticas grandes acostumadas com o movimento de carros e de pessoas.

Ao logo dos 140km há diversas pousadas, com áreas restritas aos hóspedes, e acessos a passeios de barco. A única coisa chata é a velocidade com que os carros andam. O limite é 60km, mas é comum ver carros a mais de 100km, que não se preocupam com o risco de atropelar animais ou encher de poeira as pessoas que estão na beira da rodovia.

O melhor período para visitar é de fim de junho a início de setembro. Antes de junho, ainda muito molhado. No fim de setembro, já começa a ficar quente demais, inclusive com queimadas.

A estrada é segura e tranquila na seca (inverno). Há mais de 100 pontes, e quando nos aproximamos de Porto Jofre pegamos umas duas pontes assustadoras, com muitas tábuas faltando, sem chance pra sair da tábua vertical. Mas essas foram exceção.

Quando chove pode ficar tudo bem ruim, facilmente atolável.

Tem que programar com antecedência. Em julho, além de birdwatchers, há muitas famílias. Fechamos o pacote com o Geiser com 6 meses de antecedência. Ele divulgou o roteiro no site dele, no Virtude, no Facebook, e logo lotou a agenda, então se você tem interesse em ir no ano que vem, comece a se programar ainda neste ano.

Geralmente é calor. O inverno na região é a mais de 30 graus, mas tivemos o azar de pegar a onda de frio que fez nevar em vários lugares do Brasil.

Ficamos na Pousada Transpantaneira no km 0 na primeira noite. As duas noites seguintes foram na Pouso Alegre, com day uses na Piuval e no Araras Ecolodge. Uma noite na Rio Claro, duas na Santa Tereza, última noite de volta ao km 0.

Nosso guia foi quem escolheu as pousadas, com base em viagens anteriores, cada uma por características próprias. Por exemplo, a Pousada Transpantaneira é muito simples, mas bem localizada no km 0.

A Pouso Alegre tem um aterro de 7km para chegar até a sede. Esse aterro está bem esburacado, quando chegamos para nossa primeira noite lá levamos 40 minutos para percorrer esses 7km. Em compensação, no dia seguinte, pela manhã, esses mesmos 7km também eram uma farra de aves.  As acomodações são bem simples, a comida não estava muito caprichada em alguns dias, nosso chuveiro estava queimado, mas o local é muito bom para ver aves.

A Piuval e o Araras Ecolodge têm estrutura para gringos e são mais caras. Mas vale a pena fazer um day use. Por uma taxa de R$ 70 / pessoa você tem direito a almoçar e a fazer um passeio com eles. Valeu a pena, mesmo tendo o problema com o barco na Piuval.

A Rio Claro é uma pousada mais antiga, que teve os quartos (mas não os banheiros) reformados há pouco tempo. Comida excelente, aves interessantes no comedouro.

A Santa Tereza é um lugar com boa estrutura, bonita, mas ficamos com a sensação de que estão comendo bola na administração. Atrasavam as refeições, ouvimos gente reclamando do horário combinado dos passeios.

Há pousadas ainda mais longe, mais perto de Porto Jofre, como a Jaguar Reserve. Há o Hotel Porto Jofre, no fim da Transpantaneira, um resort caro voltado para pescadores e agora para quem quer ver onça-pintada. Do lado do  hotel tem uma área de camping, com chalés mais simples, diárias de R$ 420 pro casal. A turma do workshop do Araquém Alcântara estava hospedada nessa área.

É possível ficar hospedado na cidade de Poconé ou no Sesc Pantanal. São duas opções bem mais baratas de acomodação e alimentação, mas achamos que não vale a pena.

Levamos o kit de sempre de repelente, protetor solar, veneno líquido de tomada para os quartos, escabin para o caso de carrapatos (mas não pegamos).

O ideal é levar perneiras (uma proteção para a região do joelho pra baixo. Contra cobras. Você pode comprar em lojas de artigos para trabalhadores rurais).

Não sei se era possível prever o frio de 10 graus, mas os pantaneiros não estavam surpresos. Na minha próxima viagem, vou lembrar do frio que passei e reservar um espaço na mala para uma blusa a mais e gorro.

Precisa de guia ornitológico? Se você não se importa com lifers, o que se vê naturalmente e os guias mateiros da pousada dão conta. Mas se você quer lifers, contrate um guia ornitológico. A maioria dos guias também dirige, então quando você contrata um guia, também tem a mordomia de ter alguém dirigindo. A maioria das pousadas faz acordo com os guias e não cobra a hospedagem dele quando ele leva clientes.

Recomendo bastante o Geiser Trivelato, que já me guiou em diversos passeios: http://virtude-ag.com/aventura-pela-transpantaneira-novo-roteiro-para-quem-busca-otimas-fotos-por-geiser-trivelato/

Diária do Geiser: R$ 150, ou seja, apenas R$ 1.200 pra ele passar 8 dias com a gente

Carro: alugamos um Doblò na Thrifty por R$ 1.500 por 8 dias

Pousadas: no km 0, um local só para dormir, R$ 50 por pessoa. Nas pousadas da Transpantaneira, entre R$ 360, 380 para o casal, pensão completa. Em alguns dias não almoçamos na pousada porque tínhamos passeios em outros lugares.

Day use: R$ 70 por pessoa com direito a um passeio e almoço.

O custo total da viagem depende de quantas pessoas há no grupo. Mas acho que 3 no carro mais um guia é o limite, tanto por porta-malas, como pro conforto de todo mundo.

Também não recomendo ir em grupo grande se você vai passarinhar a sério. Se você vai só para passear de barco e ver as aves grandes dos arredores, tudo bem. Mas imagine a situação de encontrar o martim-pescador-da-mata, ou se tivéssemos encontrado a garça-da-mata. Geralmente é só uma fresta. Com 3 fotógrafos, já nos revezávamos.

 

Descrição dos avistamentos dia a dia

Vou listar os principais avistamentos em cada local. Havia muitas outras aves, não vou listar as mais comuns, e há outras menos comuns mas que não registrei por não serem lifers e por não estarem em condições de fazer fotos boas.

No dia anterior chegamos no fim do dia, até fomos dar uma volta na estrada para o Sesc, mas a luz acabou rápido.

O passeio começou no dia 18. Saímos da pousada no km 0 a caminho da Piuval: cardeal-do-banhado, gavião-preto, carretão, bichoita.

Chegando na Piuval e na trilha: casal de pica-pau-louro, araras-azuis-grandes (casal em voo e depois várias bem de perto), casal de pavãozinho-do-pará um tratando do outro. Um maravilhoso encontro de um arapaçu-do-campo encarando um gavião-carijó, parecia que ia dar briga, mas por fim o arapaçu recuou. Falcão-relógio cantou forte mas não apareceu. Maracanã-de-colar. Logo após o almoço: araçari-mulato, rolinha-vaqueira, coleiro-do-brejo, papa-formiga-vermelho, jacu-de-barriga-castanha, cujubi.

À tarde, passeio de barco com dificuldades: nosso motor quebrou, houve desencontro de informações do rádio sobre nosso resgate, ficamos mais de 1h sob um solão, desolados. Visão rápida de frango-d´água-pequeno, trinta-réis-grandes passando sobre a gente. Era o local para tentar o socoí-vermelho. Tocamos várias vezes o playback, mas sem resposta. Depois que finalmente chegou um barco para nos resgatar, pedimos para ser levados ao local do ninhal, onde ainda pudemos ver chincoã-pequeno e um grande bando de corucões. Só não ficamos mais bravos com a Piuval porque o pessoal foi muito atencioso: não cobraram os R$ 200 do passeio extra, um dos filhos do dono veio nos buscar numa caminhonete de cabine dupla, ar-condicionado bem fresquinho, água mineral gelada, pedidos de desculpas.

No caminho para o Araras, no aterro da Pouso Alegre: casal de pica-pau-de-topete-vermelho, casal de maçarico-real, casal de jacu-de-barriga-castanha, gralha-do-pantanal, veado-catingueiro, maitaca-de-cabeça-verde.

Chegando no Araras, um bando maravilhoso de aratinga-de-testa-azul e periquito-rico. Ficamos um bom tempo observando-as e tentando fotos em voo. Choveu. Pedimos permissão para fazer a trilha à tardezinha. No início da trilha e nos arredores: casaca-de-couro-de-crista-cinzenta, casaca-de-couro-amarelo, surucuá-de-barriga-vermelha, joão-do-pantanal, chororó-do-pantanal. Na Transpantaneira um martinho.

Na trilha do Araras: pipira-da-taoca, mas sem muita chance pra foto, solta-asa, idem, belo casal de pica-pau-amarelo, arapaçu-de-bico-branco. Da torre: visão do cervo-do-pantanal. Andando mais para frente da torre: jacutinga-de-garganta-azul, casal de udu-de-coroa-azul,

De volta a Pouso Alegre: o pessoal foi corujar, eu fui desmaiar.

Manhã no aterro da Pouso Alegre: iraúna-de-bico-branco, lavadeira-de-cara-branca, rolinha-vaqueira, mutum-de-penacho, um ótimo jovem de gavião-preto comendo uma cobra, saci no chão, vite-vite-de-cabeça-cinza, alegrinho-do-chaco, ferreirinho-de-cara-parda. Voltamos para Poconé para encher o tanque de gasolina e chegar a Porto Jofre com tranquilidade (atenção: não há postos de gasolina na Transpantaneira. O Hotel Porto Jofre vende gasolina para quem está hospedado lá, mas dizem que para quem não está nem sempre eles vendem, mesmo sendo o triplo do preço). Almoçamos na Pouso Alegre e partimos rumo à Pousada Rio Claro.

A Rio Claro é uma pousada com quartos reformados, comida excelente, bem movimentada de estrangeiros. Chegamos lá depois das 15h e descobrimos que nosso guia mateiro tinha ido guiar outro grupo. Atribuíram o problema ao horário, mas acho que foi só falta de organização, depois o Geiser foi olhar e viu que eles não tinham marcado nosso passeio na agenda. Saímos pra andar por conta própria numa pequena trilha, mas já era fim do dia. De interessante, casal de pica-pau-dourado-escuro.

Algo que compensou os poucos avistamentos foi o por-do-sol no deque da Rio Claro. Aquele céu maravilhoso de Pantanal, Heineken bem gelada, uma ave crepuscular voando sobre o rio “Cris, tenho certeza de que aquilo é um lifer, mas não vou conseguir fotografar”, e não era excesso de cerveja. Depois perguntei pro Geiser e soube que era o bacurau-de-cauda-barrada, fácil de ver, difícil de fotografar.

Barco na Rio Claro de manhã, barco na Santa Tereza à tarde.

Um dos motivos da Rio Claro ter entrado no roteiro é porque o príncipe-negro aparece no comedouro. Tínhamos um passeio de barco marcado pras 6h30, mas às 6h fomos procurar o bicho pelos arredores. Achamos um bandinho, ainda sem luz para fotos boas, mas o dia foi clareando, eles voaram para uma árvore grande, fomos nos aproximando devagar, andando de joelhos, com movimentos lentos e, mesmo sendo três pessoas com câmeras, eles permitiram uma boa aproximação.

Não me diga que é porque eles são bichos que aparecem em comedouro :o) Movimentos bruscos assustam qualquer ave. Também tenho a teoria de que, quando você vai se arrastando pra se aproximar da ave, ela não voa porque não te viu ou porque não te reconhece como uma pessoa, e sim porque se diverte vendo a gente rastejar por elas.

Fizemos o passeio de barco e pudemos ver de perto: cujubi, jacutinga-de-garganta-azul, martinho, gavião-belo bem belo, um casal de maracanã-do-buriti sobrevoou. Voltamos para almoçar. No comedouro, o bando de príncipes-negros (mas sem uma fração da emoção do nosso bando selvagem do alvorecer), jacu-de-barriga-castanha, araçari-mulato. E claro, muitos cavalarias.

Partimos rumo à Santa Tereza. Chegamos lá e fomos para o segundo passeio de barco do dia, e foi o mais emocionante: o sr. Antonio sabia onde ficava a mãe-da-lua-gigante, então já começamos com o avistamento desse ser alienígena e sua expressão de profundo desprezo por todos, depois ainda pegamos vários arapapás jovens, com plumagem mais bonita do que do adulto, na minha opinião. No fim da luz ainda apareceu o martim-pescador-da-mata. Sem luz e embrenhado, mas muito interessado no playback e, assim, mesmo com ISO 4000, consegui fotos razoáveis. Na volta vimos o maior bando de gaviões-caramujeiros que já vi, acho que eram mais de 30, talvez eles se reúnam pra dormir. E, já escuro, voltamos a ver a mãe-da-lua-gigante, mas dessa vez abraçada pela noite e às margens do rio.

Saímos cedo da Santa Tereza rumo a Porto Jofre. Foi o dia que chegou a frente fria, então pelo caminho pudemos ver muitos ararapás. joão-grilo, outra especialidade da região. Numa das pontes, um cantinho de aves tão bonito, com várias aquáticas, que vimos o João Sérgio filmando e rezando – acho que ele estava fazendo alguma gravação baixinho, dizendo como tudo aquilo era bonito, e soava como uma oração. Era bonito mesmo. Também pegamos um ótimo cardeal-do-banhado, tachã no ninho, maguari no ninho. De repente o Geiser ouve um rabo-branco-de-barriga-fulva, um beija-flor com 6 fotos no Wikiaves. Investimos um bom tempo no playback, mas sem mole. O João e o Cris ainda conseguiram algo, eu só borrão. Poderíamos ter parado muito mais, mas essas paradas já nos fizeram chegar na hora do almoço.

Porto Jofre é o final da Transpantaneira. Há um hotel de luxo e, em frente, um camping mais simples (mas mesmo assim com preços altos. Almoço a R$ 45, quartos simples por R$ 420). Quando chegamos lá, encontramos o grupo do workshop do Araquém Alcântara. O Cris já fez vários workshops com ele, eles eram próximos, mas não se viam há alguns anos. O Cris gosta de me atazanar e dizer que a culpa é minha, porque o afastamento deles coincidiu com o início do namoro comigo. Soubemos que eles tinham visto duas onças pela manhã, e que uns fotógrafos turcos tiveram mais sorte ainda e fotografaram uma onça atacando uma capivara, em outro trecho.

Em vez de almoçar engolimos um sanduíche às pressas, alugamos um barquinho (R$ 300 por 3 horas) e fomos pro local em que a onça dormia.

Era um lugar feio. Mato feio, sem nada de especial, além daquela pequena mancha de pele de felino no meio do mato. Cinco barcos em volta, como se fosse aquele monte de carros e jeeps na África. Estávamos lá há mais de uma hora, e eu já pensando se valia a pena, que aquilo não dava foto nenhuma. Depois de 1h30 de espera, o bicho acordou, levantou a cabeça, olhou pra frente e eu “retiro tudo o que eu disse. Ele podia estar num lixão, ainda seria maravilhoso”.

Imponência. Eu e o Cris concordamos que era mais impressionante do que leopardo. Maior, mais forte, e parece mais mais terrível, ainda que provavelmente os leopardos matem muito mais pessoas do que as onças-pintadas. Diferença de ver de dentro de um carro, de longe, ou de dentro de um barquinho, não tão longe? Talvez. Mas que era lindo contemplar aquele pelo perfeito, aqueles olhos verde-amarelados, isso foi.

Os dois barcos da turma do Araquém decidiram ir embora 10 minutos antes do bicho finalmente levantar. Lindas fotos dela em pé. Felizmente não fomos esnobar ninguém, porque chegando de volta à terra, topamos com o grupo no restaurante, que nos mostrou fotos mais lindas ainda do bicho esticado arranhando uma árvore grossa. A moça nos explicou que o barco dela queria ficar, o Araquém também, mas as outras pessoas do barco do Araquém pressionaram para ir embora. Eles foram, mas o Araquém decidiu voltar, toparam com o barco dos turcos que continuou tentando acompanhar para onde o bicho ia depois que levantou, mal dava para ver, e os únicos 20 segundos em que ele fez algo que dava foto foi aquela arranhada no tronco da árvore. Que o grupo do Araquém pegou, os turcos não, porque um dos barcos da turma do Araquém estava sem poita, foi descendo a correnteza e passou na frente dos turcos sem querer justo naquele momento. Os orixás do Araquém são fortes, mas maldição de turco também deve ser, não sei quem ganha essa briga.

Enquanto perdíamos toda essa novela, vimos um lindo casal de batuíra-de-esporão e também uma ariranha, conhecida como a onça dos rios. Na estrada de volta a Santa Tereza, minha primeira visão e fotos de um jacurutu. Chegamos na Santa Tereza bem tarde, no final do jantar. Comida fria, uma leve sensação ruim por não ter seguido o barco dos turcos, mas uma grande alegria por termos conseguido ver a onça na nossa primeira tentativa, e esperando pouco tempo.

Saída da Santa Tereza, última noite no Pantanal.

Passeio de barco na Santa Tereza pela manhã.

Um dos objetivos do passeio era a garça-da-mata. Um outro grupo que estava hospedado no hotel havia visto no dia anterior. Nos levaram para o ponto, mas não tivemos a mesma sorte. Na noite anterior, na hora do jantar, o guia desse grupo tinha nos falado “vimos, mas daquele jeito, no escuro e toda embrenhada. Esse bicho é muito arisco, só se vê assim”. O João Sérgio me olhou de lado de um jeito engraçado, eu tinha mostrado pra ele a foto que fiz em Santa Maria das Barreiras, com o Cal Martins e o Mathias Singer: no aberto, toda exposta. Contei que era mansa, que eu tinha levado pão para tentar uma técnica que o Endrigo tinha falado, de jogar pão na água para atrair peixes e eventualmente vê-la pescar. Mas nosso barco não estava tão colado nela, e o pão é algo leve, não estava fácil jogar o pão perto da garça. Numa hora o Cal jogou com mais força e quase acertou a cabeça da garça. Claro que não teria machucado, mas foi engraçado porque ela só se abaixou, mas não se assustou.

Logo no começo do nosso passeio, pavãozinho-do-pará e depois uma picaparra, mas os dois um tanto longínquos. De novo vários arapapás, mas dessa vez também vimos um adulto, algo inédito pra mim. Ninho de socó-boi, com filhotões grandes mas ainda com fiapos brancos, como quem caiu na máquina de algodão doce. Socó-dorminhoco adulto e filhote alinhados. Uma bela biguatinga com um peixe enorme, pena que não consegui focar. Nesse passeio, o destaque ficou por conta da paisagem e da boa vontade do sr. Antonio. Num dos trechos mais bonitos do rio, cheio de aves aquáticas, ele desligou o motor e foi remando. Pudemos contemplar aquela beleza em meio ao silêncio da natureza.

O sr. Antonio iria nos levar de barco até a torre. No caminho, paramos no lugar onde há um ninho de jacurutu e tive a chance de ver essa corujona de dia. O ninho é tão sem vergonha, um amontoado de gravetos, bem pequeno. Nem dá pra entender como suporta uma coruja tão grande. Cris ficou na sede, eu Geiser e João Sérgio fomos pra torre. Lugar bom, promissor, muitas árvores próximas. Mas um frio, um frio que eu nunca teria associado ao Pantanal. Frio de sentir o rosto arrepiado, os dentes gelados, os olhos gelados. Passamos um bom tempo enfrentando o frio, o Geiser tocando playbacks mas o único que se dignou a responder foi o chorozinho-de-bico-comprido. Da torre, também tive a oportunidade de ver uns insetos muito interessantes, nunca tinha visto algo parecido.

Cansamos de posar de picolés e descemos da torre. Na terra, bem menos frio do que lá em cima. Caminhando pela trilha de volta à sede, logo topamos com os famosos bandos mistos. No bando, sebinho-rajado-amarelo, maria-ferrugem, surucuá, chincoã-pequeno, anambé-branco-de-bochecha-parda. Enquanto o Geiser e o João tentavam o anambé, decidi me afastar e andar nos arredores. Quanto menos gente, mais chance de ver uma ave. O que não era lifer no geral eu dava mais espaço pro João fotografar com tranquilidade, e sempre havia o que eu olhar em volta.

Caminhando num local com muitas folhas secas, de repente ouvi passos leves. Parei. Um tinamídeo. Outro tinamídeo. Nem sabia o que era. Tirei umas três fotos, não vi como ficou, mas fiquei aflita para avisar o Geiser e o João, para ver se eles tinham chance de fotografar. “Geiser, tinamídeo!”. O Geiser chegou a tempo de ver o casal de jaó se afastar “Ah, Claudia, nesses casos nem se preocupe em avisar os outros. Esses bichos são muito ariscos, só com o som da nossa voz já se afastam”. Me senti feliz pelo encontro com esses bichos ariscos assim, por acaso. Me senti meio triste por estar com a regulagem errada. Eles estavam num local com pouca luz, o ISO foi pra 4000, o limite que eu tinha configurado, mas meu +0.7 da ave anterior fez diferença. Se eu estivesse com 0 ou -0.3 de compensação, provavelmente não teria saído tão borrado.

Tivemos alguma dificuldade para voltar para a sede, provavelmente a trilha que beirava o rio não estava bem demarcada, mas não foi difícil encontrar a trilha central. Não dava vontade de chegar na sede, muitas aves pulando pelo caminho, na área aberta ao lado do rio, já bem perto da sede. Aves comuns como cardeal, cavalaria, asa-de-telha, balança-rabo-de-máscara-preta, mas a luz estava bonita, o cenário bonito. Já era hora do almoço, mas não resistimos a parar e observar o filhotão de balança-rabo recebendo uma bela libélula.

Após o almoço, hora de ir embora da Santa Tereza. No caminho de volta ao km 0 da Transpantaneira: o famoso caburé, uma coruja miúda circundada por histórias medonhas. Já ouvi de mais de uma fonte a história de que ela é capaz de perfurar jacus vivos. É comum o guia tocar o playback do som do caburé e encher de aves pequenas, dispostas a bater no bicho. Não sei de outro playback capaz de causar tanta comoção na bicharada, um argumento a mais nessa história do jacu. Também conseguimos boas fotos de um gavião-caramujeiro bancando o gavião-caranguejeiro, um beija-flor-de-bico-curvo no baixo e perto, gavião-belo com peixão, joão-pinto (também vimos no bebedouro da Santa Tereza, mas na natureza é sempre melhor) um bando de maracanãs-de-colar passou pelo carro, no sentido da estrada “pousa, pousa, pousa…”. A torcida valeu a pena: os bichos pousaram, e conseguimos fotografar de perto.

O único problema era o horário. Em julho a luz boa acaba às 17h. Quando discutíamos o trajeto, se voltaríamos em busca do rabo-branco-de-barriga-fulva, eu tinha sugerido irmos para a região do portal, onde o Cris, que havia passado a viagem inteira aguentando nossa mania de fotos de registro e não fotos artísticas, poderia enfim ter algumas chances boas. Mas chegamos tarde, umas 16h40, já havia uma nuvem no céu, e quando o carro finalmente estacionou a luz tinha acabado.

O Cris estava bem chateado. Eu fiquei rezando, pensando que não custava nada Deus assoprar a nuvem e deixar ter mais uns minutos de luz dourada. Isso não aconteceu, mas o que aconteceu em seguida interpreto como uma resposta. O Cris fotografava uma garça-moura que tinha acabado de pegar um peixão. De repente aparece um gavião-belo e tenta roubar o peixe. Ele investiu sobre a garça pelo menos umas 6 vezes, e a garça não fugiu, ela heroicamente apenas mergulhava a cabeça na água toda vez que ele investia. Por fim, a garça engoliu o peixe, o gavião teve que partir sem nada. Tudo isso acontecendo na frente do Cris. A gente também fotografou, um pouco mais de longe. Todos contentes em ver uma cena tão interessante. “Obrigada, Senhor”.

Ficamos pensando que essa região do Portal deve ser um dos lugares mais legais para ver cenas como essa. Conforme aumenta a seca, há bastante peixes e aves. Os bichos se acostumaram com o fluxo de carro e de pessoas, e permitem fotos relativamente de perto. Eu e o Cris ficamos fazendo planos de voltar pra Poconé, mesmo que fosse só um fim de semana pra ficar de plantão nessa região do Portal.

Você pode ver as fotos da sequência (inclusive as bem borradas, mas que mostram a ação) neste link: https://heart3.me/portfolio/monotematicas-garca-moura-x-gaviao-belo/

Fomos em direção ao Sesc Pantanal. O Geiser ia falar com um contato dele e descobrir se poderíamos fazer uma das trilhas, mesmo sem estarmos hospedados lá. O Sesc de Poconé tem uma estrutura incrível, incrível demais até eu diria. Na frente do conglomerado, destruíram um brejo onde havia tachãs para construir lagos artificiais, desses com borda de cimento e gramados. Quem tem esse tipo de ideia? E, pior, quem aprova esse tipo de ideia?

Apesar da estrutura ser impressionante, ficar lá não é muito recomendável para birdwatchers. É um local cheio de famílias, os passeios são em grupos grandes com pessoas que não querem saber de aves, então você já imaginou o cenário. Só dormir lá e ir passear em outros lugares… talvez. A hospedagem é barata, ainda mais se você é funcionário do comércio ou da indústria. Mas nosso roteiro ficando em várias pousadas da Transpantaneira foi tão bom que eu acho que vale a pena pagar as estadias mais caras das pousadas da estrada.

O contato do Geiser explicou que eles estavam lotados, então não seria possível fazer a tal trilha interna. Mas tudo bem: a visita valeu a pena para ver a estrutura, fotografar um lindo casal de periquitos-de-encontro-amarelo se alimentando de um coquinho bastante estético. Saímos do Sesc e pegamos a estrada que dá na Baía das Pedras. Pavãozinho-do-pará. Um pouco mais pra frente, Geiser ouve de novo o beija-florzinho raro. Ficamos um bom tempo com ele, e achando que era o rabo-branco-de-barriga-fulva, mas depois o Geiser viu uma foto do João Sérgio e identificou como outra raridade, o besourão-de-sobre-amarelo, também com apenas 6 fotos no Wikiaves.

Nesse meio tempo, um dos desejos do João Sérgio se concretizou: o gavião-pernilongo. Plainou baixo sobre a gente, todos fizeram fotos. Quando desistimos de nos ajoelhar em frente à arena dos besourões, seguimos caminho, chegamos até a baía, mas já era hora de voltar para o hotel e pegar as malas.

No caminho da volta, ainda vimos aquele sagui-de-rabo-preto, uma das especialidades do Pantanal. Ficamos com eles alguns minutos. Aos 47 do segundo tempo, o João Sérgio olha pra frente e diz “gaviãozinho!” outra ave que queríamos muito ver. O bichinho deixou a gente se aproximar bem, e só não ficamos mais tempo com ele porque tinha mesmo acabado nosso tempo.

O Geiser ficou no km 0, a espera do grupo seguinte, o João e o Felipe Castro. Nós voltamos para Poconé e pegamos nossos respectivos voos.

Essa foi uma das viagens mais legais que já fizemos, tanto em termos de avistamentos como em resultados de fotos. A companhia era excelente: o João Sérgio é um amor de pessoa, daquele jeito mineiro sempre tranquilo com tudo, o Geiser já é um amigo, além de excelente guia, e conseguiu montar um roteiro que ficou muito bom. Sei que o Cris não aproveitou tanto a viagem porque os objetivos dele são outros, ele não se importa com a espécie, só com a foto. E deve ter batido a saudade de ver o grupo do workshop do Araquém, um monte de gente que só se importa com a foto, x nós malucos que somos capazes de ficar muito tempo correndo atrás de marronzinhos ou não tão marronzinhos em locais sem luz ou sem cenário.

Uma viagem espetacular, que recomendo para todos, não importa seu tipo de câmera, ou mesmo que você não tenha câmera. Vá conhecer a Transpantaneira, não tem como não gostar. Basta se programar com meses de antecedência.