Um minipantanal no interior de São Paulo

Poucas pessoas sabem que o interior de São Paulo abriga um minipantanal. É emocionante e quase inacreditável ver tantas garças, cabeças-secas, tuiuiús, colhereiros, marrecas (e saber que há jacarés-de-papo-amarelo) tudo isso numa região tão urbanizada. O Tanquã se formou devido à construção da barragem de Barra Bonita na década de 1960. Hoje, além de diversos animais, também é o lar de uma comunidade de pescadores. Apesar da sua riqueza e singularidade, esse local corre o risco de ser engolido pela construção de uma nova barragem. E, pior: os defensores do Tanquã dizem que o pequeno trecho de 55 km da hidrovia poderia ser substituído por ferrovia, a um custo menor, com mais benefícios no transporte de cargas, e sem destruição ambiental. Não é só um problema para as pessoas que moram no Tanquã: a perspectiva é de assoreamento no rio, com aumento do risco de enchentes e tragédias para a população de Piracicaba.

Já tinha ouvido falar bastante do Tanquã, por meio dos colegas birdwatchers, mas só na semana passada tive a oportunidade de conhecê-lo de barco. Como o lugar é bonito. Cenários amplos, muito mais água do que se imagina olhando da margem, pequenas baías repletas de aves. Foram umas 4h de passeio em silêncio, algumas breves conversas com nosso barqueiro, o Alemão, mas na maior parte do tempo sentia que eu, a Juliana Diniz, o Luccas Longo e o Rodrigo Popiel estávamos absorvendo a paisagem, tentando gravar ao máximo as sensações daquele lugar que talvez deixe de existir em pouco tempo.

Antes de entrar no barco já dava para ver alguns tuiuiús. Ainda lembro da primeira vez que vi um, foi no Pantanal em 2008: eu não estava dando bola pra ideia de encontrar esse monstro até que vi com meus próprios olhos: o bicho mede 1,40m de altura (é a medida científica, ou seja, dele morto e esticado, da ponta do bico à ponta das garras), e as asas abertas podem medir 3m de uma ponta à outra.

Começamos o passeio com uma imagem do voo do tuiuiú. As horas seguintes foram um desfile ininterrupto de dezenas de garça-branca-grande (muitas, acho que era a espécie mais abundante), garça-branca-pequena, garça-vaqueira, garça-moura, savacu, frango-d´água-comum, biguá, biguatinga, garibaldi, irerê, pé-vermelho, marreca-cricri, marreca caneleira, frango-d´água-azul, caracará, gavião-caboclo adulto e jovem, com o jovem voando baixo, sanã-parda, lavadeira-de-cara-branca, lavadeira-mascarada, socozinho, marrecão – machos e também uma fêmea com 5 pimpolhos, pernilongo-de-costas-brancas, martim-pescador-grande, coró-coró, caraúna-de-cara-branca. E caminheiro-zumbidor, choca-barrada (paramos em terra firme também). De barco era possível uma aproximação bem razoável dos bichos, e tivemos ótimas oportunidades fotográficas, com muita luz e várias cenas de voo.

Encerramos o passeio depois das 13h. Ficamos um tempo no bar do Carlinhos batendo papo com o Alemão, entre a cerveja e água ou suco (para os motoristas, no caso eu e o Rodrigo). Fomos almoçar em Piracicaba na rua do Porto, comer o tal filhote assado no tambor, uma delícia, acompanhado de pirão – e pedimos uma salada completa sem palmito, já que não tínhamos certeza de que vinha de uma plantação, e não de extração ilegal. Na rua do Porto ainda fotografamos o ferreirinho-relógio, que a Juliana viu e o Rodrigo conseguiu uma fotona, pardal, uma andorinha-do-rio que motivou um assunto bem importante: o risco de picada de carrapato que transmite febre maculosa.

Atenção com os carrapatos – febre maculosa – risco de morte

Piracicaba e várias cidades nos arredores são regiões onde é mais provável topar com o carrapato-estrela, que pode transmitir a bactéria da febre maculosa. “Os primeiros sintomas aparecem de dois a quatorze dias depois da picada. Na imensa maioria dos casos, sete dias depois. A doença começa abruptamente com um conjunto de sintomas semelhantes aos de outras infecções: febre alta, dor no corpo, dor da cabeça, inapetência, desânimo. Depois, aparecem pequenas manchas avermelhadas, as máculas, que crescem e tornam-se salientes, constituindo as maculopápulas.” http://drauziovarella.com.br/letras/f/febre-maculosa-2/

A bactéria só é transmitida depois de 4h. Então é importante procurar carrapatos e micuins  logo depois do passeio. Se encontrar um, retire com cuidado (se o ferrão ficar, mesmo que não seja o carrapato da febre maculosa, pode infeccionar o local). O ideal é matar o bicho com algum produto como Escabin antes de retirar.

Para diminuir as chances de pegar carrapatos as recomendações são:

– colocar a barra da calça por dentro da meia. Sei que fica feio, mas a alternativa são carrapatos, formigas ou outros bichos subindo pela calça.

– quem é mais cuidadoso, além de colocar a meia por cima, também lacra com durex, inclusive dando uma volta com a face adesiva pra cima. Assim, se um micuim andar por lá, fica preso na cola.

– nas roupas claras é mais fácil detectar algum carrapato.

– cheque e se possível feche as frestas das roupas: zíper nas calças-bermudas, frestas de ventilação das camisas, punho abotoado, camiseta por dentro da calça.

– Exposis por cima da roupa também ajuda a evitar.  Talco Granado tem um pouco de enxofre, e colocar nas meias também ajuda. E tem a dica de sprayar SPB de citrolena por cima da meia, dizem que funciona, mas você tem que ter certeza de que não é alérgico ou sensível.

Agradeço ao Eduardo Alexandrino, à Silvia Linhares e ao Alberto Rossettini pelo alerta e pelas recomendações. Em Piracicaba os locais com risco têm placas do tipo “Cuidado – zona de infestação de carrapatos que podem transmitir a febre maculosa”. Esse pedaço da rua do Porto onde fotografamos a andorinha-do-rio é um deles, eu vi a placa, mas como o Luccas também entrou na grama e deitou no chão, achei que nessa época não havia risco. Depois soube que ele não tinha reparado na placa. O papo sobre carrapato surgiu porque a Juliana postou uma foto no Facebook da gente fotografando no mato, e eu comentei sobre a placa que estava a alguns metros de lá.

Ou seja, evite entrar nos locais que têm as placas de aviso, e sempre que for pro mato, pelo menos vá de calça comprida com a meia por cima da barra, e se for uma trilha mais fechada, com manga longa também. Ao sair da trilha, procure nos braços, pulso, barriga, qualquer lugar de pele exposta.

O passeio foi agendado pelo grupo do Facebook “Quero Passarinhar”. O Rodrigo perguntou se alguém tinha interesse em ir lá, e logo formamos um grupo.  Descobrimos que 4 é um bom número para o passeio. Dividimos as despesas, cabem todos no barco. Se houvesse mais gente, havia a possibilidade do nosso barqueiro chamar mais um barco, mas depois concluímos que mais de um barco diminui muito o prazer do passeio. As aves se afastam conforme o barco se aproxima, assim, o barco de trás sempre ficaria prejudicado. A área do Tanquã é grande, mas mesmo que os barcos fossem cada um para um lado, demora algum tempo para as aves voltarem.

Nos fins de semana o Tanquã é frequentado por barcos diversos e os terríveis jet skis. Se você puder ir durante a semana, mesmo que seja só na parte da manhã, vai aproveitar mais.

Saímos de São Paulo de madrugada por volta das 4h15, paramos no Frango Assado do km 34 para reunir os dois carros e tomar um café, e chegamos no Tanquã umas 7h.

O custo do passeio com o Alemão é de R$ 150 a manhã toda, num barco em que cabem até 4 pessoas. Ele levará aos locais em que é mais provável ver as aves, em uma rota mais ou menos definida. Se você quiser ir para lugares mais distantes, precisa combinar outro valor.

Num grupo de 4 pessoas, contando almoço no capricho na rua do Porto (que ficou R$ 38 / pessoa, com bebidas), mais gasolina, pedágio, a expectativa é de gastar menos de R$ 120. E fomos em dois carros, num carro só seria menos de R$ 100.

O Luccas voltou ao Tanquã alguns dias depois, e experimentou a isca de tilápia do Bar do Carlinhos, lá no Tanquã. Disse que é boa: porção grande, fritura sequinha, peixe bem fresco. Ele recomenda.

Foi um passeio muito bom. Tanto pela beleza do local e oportunidades fotográficas, pela simpatia do Alemão, e pela sintonia passarinheira no grupo. Eu só conhecia o Luccas de vista, o Rodrigo e a Juliana de papear por e-mail ou pelo Facebook. Mas nos demos muito bem: olhando tudo e fotografando em silêncio, sem ansiedade ou pressa, interessados pelas aves inclusive as comuns, gostar de ficar observando o comportamento dos animais, a busca por fotos bonitas – não apenas lifers. Companheirismo: “vem pra cá que daqui não pega o galho”, “já tirei uma foto, fica no meu lugar”, “está ali no fundo, à direita do galho claro, está vendo?”, “Rodrigo, você tem o pitiguari? Pode tocar?” (o Rodrigo é quem tem mais gravações, e a gente alugava).  No fim do passeio, cerveja e conversas sobre assuntos diversos. Depois do Tanquã engatamos um passeio no Parque Ecológico do Tietê – logo faço o reporte, e já ficamos pensando nos próximos. O birdwatching tem dessas maravilhas de transformar conhecidos rapidamente em amigos, ao descobrir que compartilhamos a mesma sintonia com a natureza.

Como chegar

É fácil de chegar no Tanquã. Vá para Piracicaba. De lá sai a estrada pra Anhembi, a SP 147 (o GPS te indica mais ou menos e há placas pela cidade. Mais ou menos porque o ponto de entrada da estrada mudou alguns metros pra frente, mas se errar, logo você vê). Você roda 30km nessa estrada pra Anhembi, começam a aparecer umas placas indicando Tanquã. Depois de rodar 50km de asfalto, mais 6km de terra e está lá.

Mas é preciso reservar um barqueiro com antecedência. O Luccas foi quem contactou o Alemão (19) 3418-7115 – em geral ele só está na casa dele à noite. Foi R$ 150 pelo passeio – incluindo gasolina, num barco em que cabem até 4 pessoas mais ele. O Alemão é muito simpático e sabe onde levar para ver as aves.