Tantos guepardos e aves de rapina em ação. Talvez a viagem mais emocionante.

Conhecemos o Kgalagadi no grand tour de 2006, quando fomos para a África do Sul pela primeira vez, e decidimos ir para o Kruger, o Kgalagadi, a Cidade do Cabo, e também para o Etosha na Namíbia. O Kgalagadi é o lugar onde a National Geographic gravou uma novela sobre a vida das suricatas, um lugar com paisagens amplas e áridas que costumamos associar com a savana africana. O parque tem 38 mil quilômetros quadrados (imagine), e apenas ¼ do parque fica na África do Sul, a outra parte fica em Botsuana. Só conhecemos o pedacinho da África do Sul. O pedaço de Botsuana é mais ermo e exige veículos 4×4 sempre andando em dupla.

A entrada do parque fica a 270 km de Upington, a cidade com aeroporto mais próxima. Em 2006 a estrada era de cascalho e foi uma viagem muito cansativa, de mais de 4h. Mas agora a estrada é asfaltada, dá pra fazer em menos de duas horas, mas ainda é preciso ter uma noite técnica: o voo Johanesburgo – Upington chega depois das 17h, horário em que os portões do parque já estão fechando.

Ainda que a gente adore o Kruger e tenhamos ido pra lá seis vezes e pro Kgalagadi apenas duas, não significa que seja fácil dizer que o Kruger é o favorito. Demoramos para voltar ao Kgalagadi por achar que a viagem ainda seria aquela tortura de quatro horas no cascalho, mas temos certeza de que o Kgalagadi é um dos nossos lugares favoritos na Terra, em especial o campo de Urikaruus.

Sem contar uma noite técnica em Augrabies, Urikaruus foi nossa primeira noite num parque da África do Sul, em outubro de 2006. Esse tipo de campo não tem cerca: são apenas algumas cabanas como se fossem de palafita em volta de um buraco d´água, sem loja, sem restaurante, apenas um ranger com uma espingarda. Lembro que em 2006 chegamos no fim do dia, estávamos descarregando o carro e apareceram algumas hienas para beber água. As distâncias são seguras: mais de 50 metros nos separavam, a escada pro nosso chalé era cercada e tinha uma portinhola, se algum animal se aproximasse bastava entrar e fechar a portinhola. Mas ver um animal como esse, sem grades separando, era aquela sensação de encantamento.

Em 2011 ficamos 11 noites no Kgalagadi. No oitavo dia estávamos bem cansados (e vindo de uma semana no Kruger), pensando “amanhã a gente faz dia livre” que significa não precisar acordar às 6h, mas é claro que a gente nunca tinha coragem de ficar na cama. Íamos nos arrastando pro carro, mas saíamos.

Foi uma das nossas viagens mais espetaculares em rendimento de fotos. A paisagem ampla, seca e aberta favorece os predadores e os fotógrafos. É fácil ver aves de rapina, inclusive caçando, e nessa viagem vimos muitos guepardos. Doze com certeza, porque eram famílias com tamanhos diferentes dos filhotes. Vimos os bichos comendo um springbok recém-caçado, vimos uma família cruzar a estrada na nossa frente e um filhote brincar de perseguir um Thick-knee. Vimos uma jovem Martial Eagle nos seus últimos dias no ninho, já sem adultos por perto, ensaiando voos, andando pela areia, sentada na areia vermelha, na beira da estrada. Vimos uma cobra comendou outra cobra, vimos um Black-shouldered Kite despedaçando um ratinho a poucos metros de nós, Black-shouldered Kite carregando uma cobra nas garras, pena que longe, uma linda leoa deitada no meio da estrada de areia, as suricatas com vários filhotes, Cape Fox com filhotes pequenos, moravam praticamente embaixo do nosso chalé de Urikaruus, pudemos observá-las de pé, escondidos atrás do nosso carro. Eu queria muito ver, e conseguimos ver várias vezes o Pymy Falcon, uma ferocidade de 20cm. Casal de Gabar Goshawk, com a fêmea melânica, lindos como se fossem propaganda da Benetton. Coruja-da-igreja (sim, Tyto alba) à noite em Urikaruss, famílias de Spotted-eagle Owl e Southern White-faced Scops-owl  durante o dia, na beira da estrada. Vimos 62 espécies de aves. Na viagem de 2006 – quando ainda não tínhamos esse olhar passarinheiro, foram apenas 24.

Bom, e não basta ter tantas oportunidades pra fotos boas: o cenário é lindo. Locais com areia vermelha, céu azul e nuvens pinceladas, luz diferente no fim de tarde, havia uns trechos com umas moitas de um verde delicado que sob a luz do entardecer eram quase verde-água e parecia que tudo ficava tingido de um tom lilás. As planícies amplas, topar com as famílias de guepardos caminhando na beira da estrada e depois se afastando, até sumir atrás de algum pequeno morro, a sensação de que a vida é assim há milênios, e que estávamos lá, tendo a honra de observar um pouco de um lugar pouco alterado pelo homem, e com as vantagens de estradas plainas, carros com ar-condicionado, câmeras incríveis.

Um dos momentos mágicos da viagem foi com um animal que não costuma receber muita atenção: o avestruz. Um casal tomava banho de areia num desses entardeceres de cores mágicas, a poeira que aquelas asas poderosas levantavam parecia um feitiço em volta deles. Feitiço contra carrapatos e outros parasitas, dizem, mas tinha cara de feitiço mesmo assim. Estava tão entretida observando e fotografando que nem vi quando os outros carros chegaram. Só quando os avestruzes levantaram para ir embora percebi que havia quatro carros ao nosso redor, com os motores desligados, alguns só com binóculo ou até a olho nu. Uma sensação incrivelmente boa: comunhão. Sentir que você está entre pessoas que reconhecem a beleza, não são apenas uns bobocas que só querem saber de de leões e leopardos.

O encontro com os avestruzes foi nosso último dia nesse parque espetacular. Um fechamento de ouro para uma das nossas viagens com mais emocionantes.

Quem tiver interesse pelo Kgalagadi precisa conhecer Urikaruus. Mas é preciso reservar com muitos meses de antecedência, quanto antes melhor. As reservas só abrem 12 meses antes. Twee Rivieren não é bonito assim, e os chalés são naquele estilo antiquado. Mas em 2011 nos arredores desse campo havia muitos guepardos, então também é outro lugar recomendado.

Lista das espécies vistas / fotografadas no Kgalagadi em 11 dias. Saindo cedo, mas sem focar em aves: 64 espécies

obs: sem sair do carro, sem guia e sem playback

Full  Name  Scientific Name
Black-headed Heron Ardea melanocephala
Egyptian Goose Alopochen aegyptiaca
Lappet-faced Vulture Aegypius tracheliotos
White-backed Vulture Gyps africanus
White-headed Vulture Aegypius occipitalis
Bateleur Terathopius ecaudatus
Black-chested Snake-Eagle Circaetus pectoralis
Brown Snake-Eagle Circaetus cinereus
Tawny Eagle Aquila rapax
Martial Eagle Polemaetus bellicosus
Booted Eagle Hieraaetus pennatus
Southern Pale Chanting Goshawk Melierax canorus
Black-shouldered Kite Elanus caeruleus
Pygmy Falcon Polihierax semitorquatus
Gabar Goshawk Melierax gabar
Lanner Falcon Falco biarmicus
Greater Kestrel Falco rupicoloides
Common Ostrich Struthio camelus
Secretarybird Sagittarius serpentarius
Northern Black Korhaan Afrotis afraoides
Crowned Lapwing Vanellus coronatus
Burchell’s Sandgrouse Pterocles burchelli
Namaqua Sandgrouse Pterocles namaqua
Namaqua Dove Oena capensis
Barn Owl Tyto alba
Spotted Eagle-Owl Bubo africanus
Verreaux’s Eagle-Owl Bubo lacteus
Southern White-faced Scops-Owl Ptilopsis granti
Swallow-tailed Bee-eater Merops hirundineus
Lilac-breasted Roller Coracias caudatus
Purple Roller Coracias naevius
Red-billed Hornbill Tockus rufirostris
Southern Yellow-billed Hornbill Tockus leucomelas
African Hoopoe Upupa africana
Crested Barbet Trachyphonus vaillantii
Fawn-coloured Lark Calendulauda africanoides
Spike-heeled Lark Chersomanes albofasciata
Lesser Striped Swallow Cecropis abyssinica
Fork-tailed Drongo Dicrurus adsimilis
Cape Crow Corvus capensis
Dark-capped Bulbul Pycnonotus tricolor
Ant-eating Chat Myrmecocichla formicivora
Kalahari Scrub-Robin Erythropygia paena
African Reed-Warbler Acrocephalus baeticatus
Long-billed crombec Sylvietta rufescens
Black-chested Prinia Prinia flavicans
Rufous-eared Warbler Malcorus pectoralis
Chat Flycatcher Bradornis infuscatus
Marico flycatcher Bradornis mariquensis
Black-throated Wattle-eye Platysteira peltata
Common Fiscal Lanius collaris
Crimson-breasted Shrike Laniarius atrococcineus
Wattled Starling Creatophora cinerea
Cape Sparrow Passer melanurus
White-browed Sparrow-Weaver Plocepasser mahali
Red-billed Quelea Quelea quelea
Violet-eared Waxbill Uraeginthus granatinus
Red-headed Finch Amadina erythrocephala
Scaly-feathered Finch Sporopipes squamifrons
Black-throated Canary Crithagra atrogularis
Yellow Canary Crithagra flaviventris
Lark-like Bunting Emberiza impetuani

One Response to Viagem: África 2011, parte 2, o Kgalagadi – fotos da Claudia