– Eu fiz uma imitação do som do pavó e deu certo. Fiz assim ó (som grave, como se estivesse soprando em uma garrafa), e toda vez que eu fazia, o pavó se mexia.
– Você fez esse som, e ele se mexeu? Você vai me desculpar meu amigo, mas esse pavó estava com dor de barriga, isso não tem nada a ver com vocalização de pavó.
– Cris e Edson se divertindo em Intervales.
– Incrível como elas estão tranquilas, não?
– É porque elas não enxergam a gente como pessoas.
– Sei. Elas acham que a gente é um cisne gigante de fibra de vidro.
– Eu, Cris e Daniel no veículo avançado para observação de aves (pedalinho de um parque aquático), ao lado de um casal de andorinhas-do-rio. Eu estava com a câmera porque no dia anterior a gente viu um udu-de-coroa-azul cruzar o lago. Não voltamos a ver o udu, mas fiz boas fotos das andorinhas, e de um biguá comendo um peixe. A gente sabia que de dentro do carro, muitos animais permitem uma aproximação que não seria possível se você estivesse a pé. E depois descobrimos que cisnes de pedalinho têm o mesmo efeito.
– Vocês são da ornito?
– Não, a gente é só observador de aves. Mas vocês são da herpeto?
– Sim.
– Ah, eu queria mostrar uma cobra pra vocês…(alguns segundos depois) Quer dizer, a foto de uma cobra.
– Gustavo conversando com os biólogos. Mesmo de costas, ele deve ter sentido a gente rindo quietos quando ele disse que iria mostrar uma cobra, foi até o carro pegar a câmera, e ficou em pé, atrás da porta do carro, olhando pra baixo, procurando a foto.
Mãe, o que ela está fazendo???
– hoje em dia quando as pessoas te veem com uma câmera e tripé, olhando pra cima, até sabem que você está fotografando uma ave. Mas quando você decide fotografar uma florzinha silvestre no chão, assume poses injustificáveis.
– Para!! — O carro parou, o Bruno desceu e foi andando bem devagar. E a gente se perguntando “mas o que ele está fazendo?”
Olhou pra gente e falou bem baixinho, gesticulando e apontando
o l h a o t e c e l ã o
como se fosse o tietê-de-coroa. O tecelão é uma ave comum na Mata Atlântica, aparece até em comedouro. Mas o Bruno não é da Mata Atlântica, e não sabia disso. A gente riu e ficou pensando “Putz, quando formos pros biomas que a gente não conhece vamos fazer a mesma coisa”.
Existe uma ave chamada pinto-do-mato (Hylopezus nattereri). Não tenho foto dela, e olha que tentei (mas tenho uma foto do pinto-do-mato-carijó, parente da Amazônia, esta acima). Passei um bom tempo correndo atrás do pinto-do-mato, mas ele ficava saltando de um lado para o outro, sempre escondido demais para focar. Quase como se fosse um episódio do South Park.
Teve um fim de semana passarinheiro com churrasco na Guainumbi, e houve aquele momento em que as pessoas precisam levantar para ir ao banheiro. Parece que tinha um banheiro externo, mas que obrigava a pessoa a andar um pedaço do quintal no escuro. Um lugar no meio de uma área preservada de Mata Atlântica. Os meninos estavam indo, quando a Daiane tentou ir, eles não deixaram:
— não sai no quintal, é perigoso, pode ter cobra. Use o banheiro de dentro da casa
— ué, mas os meninos estão usando esse de fora, por que eu não posso usar?
— resposta de um dos colegas, que já tinha bebido muito: “porque a gente tem pinto-do-mato, você não tem”.
Moça, mas por que você vai pra um lugar que tem cobra??
– vendedor da loja de artigos agrícolas, quando eu tentava comprar uma perneira. Cheguei à conclusão que eu devia ter cara de gente fresca, incapaz de andar no mato.
Caminhar com o corpo inclinado pra frente, carregando o tripé invertido na frente da cabeça como se fosse um chifre, você na frente e seu colega logo atrás, como se vocês fossem um quadrúpede. Ou, se você estiver sem equipamento, caminhar com os braços estendidos e abertos, com os dedos esticados como se fossem chifres. (Essas eu nunca fiz, li num livro do Galen Rowell contando de um guia local que os ensinou como se aproximar de caribus.)
Dizem que outra técnica boa é se aproximar das aves rastejando. Eu nunca tive coragem, no máximo já engatinhei, já andei de joelhos pagando promessa, e também sou capaz de deitar no chão para conseguir um ângulo melhor. O Cris rastejou uma vez na Patagônia, e conseguiu uma boa aproximação dos flamingos. E também um carrapato na barriga.
“Peraí que eu vi um sabiá-laranjeira” Rodrigo se afasta e Cris me pergunta:
“Isso é algum código?”
“Não. O sabiá-laranjeira é muito comum e manso em São Paulo, mas em várias cidades ele é bem arisco, e bastante caçado. Em São José deve ser assim. Ele está indo mesmo fotografar o sabiá”
“Ah, achei que era código”.
– Rodrigo, Cris e eu na Guainumbi. Em São Paulo, o sabiá-laranjeira é muito comum. No Ibirapuera parece que eles vão pular em cima de você e te derrubar.
Tentar sair do carro sem tirar o cinto. Essa eu tenho certeza que muita gente já fez quando vê o gavião no céu, para o carro, pega a câmera e tenta sair desesperado antes que o gavião suba muito.
Editores são pessoas malditas para quem as palavras têm valor e significados exatos. Uma vez estávamos passarinhando em …. e topamos com uma das figuras conhecidas no meio, um fotógrafo que eu admiro as fotos. Ele estava com roupas camufladas, acho que o Cris perguntou, e ele disse “sim, acho que faz diferença. Sempre que vou fotografar eu saio camuflado da cabeça aos pés”.
Pra quê.
Ainda que eu goste das fotos dele, até hoje não consigo ouvir falar do nome sem lembrar dessa história, e do que pensei na hora. “Da cabeça aos pés? Então ele também usa meias e cueca camufladas?”
Estávamos esperando o início da apresentação de um musical. Na fileira bem atrás da gente, duas velhinhas italianas papeando, naquela cadência alegre e voz alta. No corredor passou um homem negro, desses estilosos, alto, forte, com jaqueta de couro. Não entendi o que elas falaram fora o “má que negrooonee!!”, e pelo tom das outras palavras dava para entender o que elas fariam se o moço caísse no quintal delas.
É por isso que a Nikon 500 f4 do Cris, uma lente profissional, ótima qualidade, pesadona, 5kg se chamava Negrone (agora ele está com uma 300 2.8 com lens coat camuflada, não tem mais cara de Negrone). Durante um tempo usei uma Sigma 50-500 estabilizada, que era a Neguinha, um apelido carinhoso, comum principalmente para as lentes da Nikon. Depois experimentei o famoso conjunto da Canon: 7D e 100-400, e agora voltei pra Nikon, graças à Nikon D800, uma câmera incrível.
“Nossa, fazia anos que eu não via o sol nascer.”
– da minha amiga Nathalia, na primeira vez que a levei pra passarinhar. Pode parecer estranho, mas eu confesso que quando não estou passarinhando, nunca vejo o sol nascer. Sempre que posso durmo tarde a acordo tarde.
Este post foi originalmente publicado no Virtude-AG em abril de 2012. Compilado por Claudia.
Mais posts do blog