Fomos pra Los Angeles porque era das viagens mais baratas que se podia conseguir pra segunda quinzena de janeiro, comprando passagens e hospedagem só com um mês e meio de antecedência (íamos pra Baja California, mas o Submarino Viagens nos trolou). Mesmo em período de férias e com dólar a R$ 4, nossas passagens saíram por R$ 4.200. Não temos a conta exata, mas estimamos que esses 12 dias nos Estados Unidos tenham saído por uns US$ 6.000, contando passagem, estadia, alimentação, carro, gasolina, entrada dos parques, ingressos pra ver Lakers x Dallas. Sei que com dólar a R$ 4 US$ 6 mil é bastante, mas se considerarmos só como dólar, é das viagens mais baratas pra se fazer. Mais ou menos o preço de 10 a 15 dias no Kruger, na África do Sul.

Não tínhamos nenhum objetivo específico. Poderíamos ter procurado os avistamentos marinhos na costa, o inverno é uma boa época para ver baleias e aves migratórias. Mas esses passeios em geral exigem excursões, grupos, horários. Em vez disso escolhemos nosso esquema favorito: nosso carro, nossos horários, nada de grupos. Fomos explorar os parques áridos da região: Joshua Tree National Park e Death Valley. Para visitar esses parques teria sido bem mais perto desembarcar em Las Vegas, mas a diferença no preço da passagem compensava umas horas de estrada. A viagem foi inventada em cima da hora, mas acabamos gostando bastante e pretendemos voltar a Death Valley num outro ano, provavelmente na primavera.

Mapa-California-2016

 

 

 

Los Angeles

Destaques:

1 – O Getty Center

Sabe como é visitar ruínas romanas e ficar pensando na tristeza de não vivermos mais em cidades que valorizam tanto a beleza arquitetônica? O Getty te dá uma sensação de Nova Roma, de o que o dinheiro, tecnologia e bom gosto podem fazer pra te deixar com essa sensação de cidadão felizardo. Não tem que pagar ingresso, só o estacionamento. Aliás, você estaciona o carro e vai de minitrem até o Getty, um trajeto de poucos minutos com uma vista linda da cidade. Aos sábados fica aberto até às 21h. O acervo é pequeno, mas com uma curadoria incrível. É bem diferente da sensação de ir nos museus grandes, como o Louvre, o MET ou o Prado, em que você não aguenta ver tudo. E além de tudo, tinha o melhor cachorro-quente que eu já comi :)

 

2 – Ver os Lakers jogarem no Staple Center

Tudo funciona. Aquelas filas enormes para entrar, todo mundo sendo revistado e tendo que passar pelo detector de metais: mas as filas andavam, ninguém chega atrasado. A emoção do jogo depende principalmente da atuação de algum jogador incrível. Não foi nosso caso. O último grande dos Lakers foi Kobe Bryant, mas ele se aposentou no ano passado e já estava em decadência. O melhor jogador foi JJ Barea, do Dallas, mas não foi aquela coisa de lances geniais o tempo todo. Se você pesquisa no Youtube e vê o que Magic Johson era capaz de fazer, você vê a diferença. Mesmo assim, é uma experiência e tanto, muito recomendada.

Sabe outra coisa legal? Não tem violência. O pessoal com uniforme do Dallas podia desfilar rebolando na frente da torcida dos Lakers, ninguém mexe ou ofende. O máximo que eu ouvi foi um cara frustrado pela competência do JJ Barea: JJ Barea é um anão perto dos outros jogadores. Dizem que ele tem só 1,70m, mesmo assim, impunha respeito, e muitas vezes os caras de mais de 2m ficavam com receio de cruzar a bola por cima dele. Ouvi um torcedor do Lakers gritar meio frustrado “oh, come on, he’s a small guy!”. Small só na altura.

Os jogos nos Estados Unidos têm um costume adorável: a Dance Cam e a Kiss Cam. Nos intervalos o telão mostra imagens da torcida, e às vezes foca num casal, que tem que se beijar, ou foca num grupo, que começa a dançar. Tem imagens que parecem de filmes. Você pode pesquisar no Youtube, ou ver uma seleção neste post: http://claudiakomesu.club/dance-cam-kiss-cam-o-mais-legal-da-nba/

 

3 – Bolsa Chica Ecological Reserve

http://www.yelp.com/biz/bolsa-chica-ecological-reserve-huntington-beach

Tem aves o ano todo, muita gente passeando e fotografando. Só tome cuidado porque dependendo do seu GPS ele pode te levar pra entrada micada do parque. Se você estacionar o carro e começar a andar numa trilha com um córrego à direita e um alambrado à esquerda, você está na parte errada. A entrada certa fica na rodovia principal, e você topa com lagos cheios de aves. Chegamos lá no fim do dia, nublado, e mesmo assim deu para aproveitar. Eu teria ido passarinhar lá mais um dia, mas não deu tempo.

 

Joshua Tree National Park

https://www.nps.gov/jotr/index.htm

Fica a 2h30 de Los Angeles. Há três entradas, mas pelo o que lemos o local mais bacana pra ficar era o vilarejo de Joshua Tree. Um lugarejo pequeno, mas agradável e com o melhor restaurante da viagem, o Royal Siam.

No fim do primeiro dia fomos para o Baker Dam (seguindo algum post sobre melhores locais para ver aves). Não vimos muitas aves, mas fomos presenteados com um por do sol que tingiu o céu de cores mágicas.

No segundo dia de manhã fomos para o Oasis of Mara, outra indicação de birdwatchers, com a vantagem de ser descrito como um lugar muito fácil de chegar, diferente de outros oásis do parque que exigiam longas caminhadas. É tão fácil de chegar que a gente passou e voltou. Fica na estrada, junto do centro de visitantes. Uma área pequena, com palmeiras, mas vimos várias aves, incluindo Cactus Wren, Phainopepla, Mockingbird, Verdin, Mourning Dove, Le Conte’s thrasher, e Gambel’s Quail. Um lugar interessante, mas só para algumas horas, infelizmente não era um lugar para passar o dia.

À tarde cruzamos o parque e fomos conhecer a região de Cottonwood, no sul. Um local cênico, mas com bastante limitação de onde você podia andar. Havia um rio seco com cenário bonito, mas com a trilha cercada por cordas e uma placa dizendo que o local tinha contaminação das minas antigas e não era seguro sair da trilha :(

No terceiro dia fomos conhecer a Big Morongo Preserve, bem perto do vilarejo de Joshua Tree. Um local adorável. Árvores e moitas bem bonitas, aquela luz fria de inverno. https://www.tripadvisor.com.br/Attraction_Review-g32745-d156857-Reviews-Big_Morongo_Canyon_Preserve-Morongo_Valley_California.html. Um lugar que rendeu muitas fotos de aves e de cenários. Mas a preguiça me impede de listar o nome das espécies, são bichos comuns, quem conhece um pouco das aves norte-americanas vai reconhecer pelas fotos.

No fim do dia passeamos pelo Joshua Tree e fotografamos outro por do sol espetacular. Viramos uma curva e de repente vimos aquela faixa de céu pegando fogo.

No quarto dia passamos um bom tempo com um bandinho de Dark-eyed Junco, na entrada da trilha para Hidden Valley. São aves comuns, mas estavam em luz bonita, num cenário arenoso com plantinhas que lembravam delicados corais marinhos.

A trilha do Hidden Valley é muito cênica, dá pra ter uma ideia neste videozinho:

Também paramos para fotografar cristais de gelo nos troncos e em plantas do deserto.

À tarde pegamos estrada rumo à cidade de Pahrump, nossa primeira parada para visitar o Death Valley. Escolhemos um caminho que passava por dentro do Mojave National Preserve. Caminho bonito, mas sem muita coisa pra fotografar no horário que passamos.

 

Death Valley

O Death Valley é o lugar onde foi registrada a temperatura mais quente na Terra: 56,7 graus centígrados, em 1913. Em julho a temperatura varia entre 31 a 47 graus, na média (ou seja, às 5h da manhã já estará 31 graus). De vez em quando alguém morre lá porque se perde, ou o carro quebra, e como as dimensões do parque são enormes, o celular não pega direito e às vezes levam dias até que alguém encontre a pessoa, ou o cadáver.

Estamos falando do verão, julho. Fomos em janeiro, quando as temperaturas variam entre 4 a 19 graus, tem neve em algumas partes do parque. Tínhamos que andar com casaco, gorro, e em algumas manhãs a sensação era de caminhar dentro de um freezer gigante. Mesmo assim, nunca saíamos das trilhas principais, e no porta-malas do carro tinha 2 galões de 20 litros de água.

O Death Valley é um lugar de cenários grandiosos, amplos. Foi cenário de vário filmes, inclusive de algumas cenas da Trilogia Sagrada (Star Wars, sou esse tipo de nerd que chama os três primeiros filmes de Trilogia Sagrada).

Dizem que na primavera é um lugar bom para ver aves porque está na rota migratória (aí você já tem que enfrentar 38 graus), mas com certeza vale a pena, tanto pelas aves, quanto pelas flores. Em janeiro, no inverno, não vimos quase nada de bichos, mas gostamos muito pelos cenários. https://www.nps.gov/deva/planyourvisit/birds.htm

Nas nossas duas primeiras noites ficamos na cidade de Pahrump, bem perto de Las Vegas, ficamos até tentados a ir jantar no inesquecível Raku, um dos melhores japoneses em que já comemos. Mas por fim de decidimos ir pra cidade e dormir cedo.

O primeiro dia no parque foi ver o sol nascer num dos lugares mais icônicos, o Zabriskie Point. Saímos com o dia escuro e mesmo assim chegamos quase atrasados. Já havia uns quatro fotógrafos posicionados, e quando chegamos o céu estava mudando de cor.

Em Death Valley também há locais que ficam abaixo do nível do mar. Badwater é um grande campo de sal, que fica 86 metros abaixo do nível do mar. Na primeira foto da sequência abaixo dá pra ver a placa que mostra o nível do mar,  no canto superior esquerdo. Perto de Badwater tem o Devil’s Golf Course, um campo esburacado com pedras cheias de sal. Um cenário bem diferente. Tem uma foto do Cris no meio das rochas, mas ele está contrariando as recomendações do parque, que dizem pra você não andar no meio das rochas porque é fácil se desequilibrar. E cair em cima dessas rochas pontiagudas, cortantes e salgadas deve ser bem doloroso.

Outro lugar lindo de Death Valley é a Golden Canyon trail. Você vai andando, andando, tem uma caminhada com uma subida mais íngreme, e de repente você está num cenário como este. É muito impactante. Acho que foi nossa trilha preferida.

Nessa região do parque também tem o Artist’s Palete, um local com rochas coloridas, mas que não me impressionou muito.

Nosso segundo dia em Death Valley foi no Ash Meadows National Wildlife Refuge. A dona da casa Airbnb onde estávamos hospedados havia recomendado, mas não gostamos. É um local onde a caça é permitida, então os bichos são muito arredios. Enquanto em locais sem caça a Gambel’s Quail é um bicho confiado, no refúgio elas fugiram da gente. Os patos também, compreensivelmente voavam só de ver nossa sombra. Que tristeza grande saber que isso é o medo de levar tiro. O cenário é bonito, boa estrutura, cartazes explicativos. E bons avistamentos de Mountain Bluebird e de um coelho não muito comum, o Blacktail Jackrabbit, No refúgio também havia lindas nascentes de água quente, onde vive um peixinho endêmico. O lugar poderia ser bem agradável, mas a sombra da caça traz um ar depressivo.

À tarde pegamos a estrada dentro do parque, dirigimos um pouco para o Norte, na direção do Scoty’s Castle, um local fechado por estragos da chuva, mas a estrada até lá é permitida (Apesar de ser um deserto, de vez em quando há chuvas torrenciais). De lá seguimos para nosso novo alojamento, o campo de Stovepipe Wells.

Em Stovepipe tem alojamentos, lojas, posto de gasolina, restaurante, lanchonete, mas não era naquele esquema de Furnace Creek (que tem até campo de golfe, não quisemos ficar lá porque não dava sensação de parque ermo). Perto de Stovepipe havia as dunas, que fizeram parte do cenário de O Retorno de Jedi. Muito bonitas, mas eu já começava a pifar… na verdade o que me dá adrenalina é fotografia de fauna. Admiro as paisagens, mas sem os bichos vai batendo o cansaço e de vez em quando eu dormia no carro. Nessa noite o Cris saiu pra fotografar as dunas à noite, depois do ótimo jantar no restaurante de Stovepipe, mas eu fiquei.

No dia seguinte fotografamos um pouco as dunas, da estrada, e depois partimos para nosso novo alojamento, o campo de Panamints Springs. Antes de chegar lá fomos até a Ubehebe Crater, uma cratera vulcânica resultado de uma explosão recente, cerca de 200 anos atrás. Outro lugar fabuloso.

Panamints Springs tem uma estrutura mais precária do que Stovepipe, quarto minúsculo indo pro lado de muquifinho se não fosse pelo quesito bem limpo. Mas tem um restaurante com ótimo hambúrguer e fritas, muitas marcas de cerveja, uma trilha sonora com o melhor do rock americano on the road, e no fim do dia, bate aquele luz do entardecer que deixa tudo incrível.

A estrada que sai do parque, a partir de Panamint Springs, passa pelo Rainbow Canyon, uma região de rochas avermelhadas e roxas.

Death Valley é assim: pode te matar no verão, no inverno não tem quase nada de fauna, dizem que na primavera tem muitos bichos e fica todo florido, mas mesmo pra alguém como eu, não importava não ter bichos pra ver porque é tudo espetacular. Um lugar de dimensões grandiosas, vistas muito amplas, cenários tão diferentes que é como transitar entre planetas em poucos quilômetros.

E ainda não tinha acabado.

Quando saímos do parque, fomos em direção a Alabama Hills, um lugarejo cênico, famoso por ser cenário de muitos, muitos filmes, incluindo Homem de Ferro, Django, Maverick, Gladiador, 60 Segundos.

Logo depois de sair daquele cenário do Rainbow Canyon, topamos com a Sierra Nevada. Eu sei que foi influência da trilha sonora, o Libertango do Piazzolla, mas ficar pensando em todas as imagens da viagem, os cenários, as estradas perfeitas, as pessoas fotografando com tripés, as pessoas que cruzavam com a gente nas trilhas ou nos campos, sorriam e falavam oi – e comparar com o Brasil, em que você anda com medo que de repente vai chegar um segurança e dizer “sua câmera é profissional e você não pode fotografar”, pensar que eu estava há anos, e com muita intensidade há meses, brigando brigas ridículas, tendo que lutar tanto só pra ter o direito de fotografar dentro de um parque público… A Sierra Nevada era muito linda, e meus pensamentos eram deprimentes demais. Me deu uma crise de choro e eu falava pro Cris “eu quero ser cidadã americana, quero morar na América e quero que minha família e meus amigos venham pra cá também, não quero mais morar no Brasil…”

Eu sei, eu sei. Não tente me explicar nada, eu sei. Mas sempre vou guardar com carinho a lembrança dessa choradeira.

(E um mês depois que voltamos da viagem, todo meu sofrimento foi recompensado. A Fundação Florestal publicou uma portaria normativa (a FF 236/2016, publicada no Diário Oficial no dia 2 de março) que deixa claro que a observação de aves é prática permitida e bem-vinda nas Unidades de Conservação. O texto é bonito, bem parecido com o que pedimos, e diferente de tantos regulamentos o tom é favorável ao cidadão. http://claudiakomesu.club/primeira-batalha-ganha-saiu-a-portaria-da-fundacao-florestal-sobre-observacao-de-aves/)

Em Alabama Hills foi fácil encontrar a indicação para Lone Pine, o tal lugar que todo mundo quer gravar um pedacinho do seu filme lá. A cidadezinha fica próxima da montanha, daqueles lugares tão cênicos que nem parecem verdade.

Na hora de ir embora de Alabama Hills, paramos em frente a um parque pequeno… olhando no mapa, acho que é o Diaz Lake Campground. Rodávamos devagar de carro quando um bicho grande voou, deu pra ver só um pedaço do dorso e o rabo, mas foi o suficiente. O Cris falou “o que era aquilo??”, e eu sabia “é uma águia-americana!!”. É uma ave comum, mas foi a primeira vez que vimos, e sempre é muito emocionante quando você encontra ao acaso.

Era um bicho arredio, diferente da nossa experiência com as águias na África do Sul, que não demonstravam medo de gente. Pensei naquela imagem da águia-americana que tinha levado um tiro de espingarda no bico e ganhou uma prótese feita com impressora 3D. Nós andamos atrás dela, mas depois da terceira vez que ela voou falei pro Cris “chega, vamos deixar esse bicho em paz”.

Também topamos com um Red-tailed Hawk juvenil, impassível numa árvore seca. Deu um bom trabalho pra identificar porque não tinha as cores típicas, mas tudo indica que é ele.

Voltamos pra Los Angeles, ficamos no apartamento bacana no centro, comemos no mercado, conhecemos gente legal num restaurante (um casal que veio puxar papo com a gente, outro momento pra ficar suspirando pelas alegrias da América), assistimos ao jogo dos Lakers. E voltamos pra casa.