Dizem que nossas memórias sobre comida (ou qualquer outra coisa) não são algo que depende apenas do alimento, mas de um contexto.
Muita diversão com os piqueniques
Talvez por isso os piqueniques na Europa sejam unanimidade para qualquer viajante. Há restaurantes maravilhosos em vários lugares do mundo, nas na maioria deles você está num ambiente fechado, sentado a uma mesa, num lugar que pode ser em qualquer cidade. Mas um piquenique… ninguém esquece da paisagem, das flores, a luz do dia, o vento ou a brisa, a diversão da informalidade, o frescor dos alimentos e o sabor de férias.
Neste post vou falar dos restaurantes que conhecemos em nossa viagem para o Sul da França, mas com essa ressalva: nossas refeições mais especiais foram itens simples como baguetes frescas ou pão de campanha, queijos maravilhosos, presunto cru, salame, patê de pato, geléia de cerejas negras, rabanetes recém-colhidos, tomates, morangos, saboreados em lugares inesquecíveis como a Etang du Fangassier com vista permanente para bandos de flamingos, o piquenique na sombra das construções romanas de Glanom em Saint Rémy de Provence, que apesar dos 2 mil anos não podem ser chamadas de ruínas, nosso almoço numa mesa de pedra, com bancos de pedra, às sombras das ruínas de uma torre sarracena em algum lugar perto de Sault. Também comemos na sombra do Palácio dos Papas, em Avignon, mas essa foi menos especial.
Conforme-se com o rigor dos horários europeus
Pelo o que eu me lembre, em Paris havia mais flexibilidade. Mas no Sul da França, não espere colher de chá. Almoço das 12h às 14h30. Jantar precisa fazer reserva, a não ser que você vá para algum lugar popular, grande, e talvez não muito bom. Ou dê sorte de pegar a mesa de alguém que não apareceu. Para jantar, horário máximo de chegar umas 19h45, e provavelmente você será um dos últimos. Vários restaurantes só servem uma rodada de clientes. Os pratos são elaborados, o menu de entrada, prato, sobremesa leva em geral pelo menos 2h.
Ligávamos no mesmo dia e conseguíamos reserva para a noite. Mas no verão, em julho, quando tudo lota, imagino que os lugares mais badalados precisam ser reservados com mais antecedência.
É estranho ter que entrar nesse rigor de horários, porque nessa época tem luz até quase às 22h, a vontade é continuar passeando. Mas era obedecer o horário ou passar fome.
Cuidado com indicações de guias impressos: desatualizam muito facilmente
Estávamos com um Fodor’s 2012. Várias indicações de restaurantes do Fodor’s não existiam mais. Dificuldade para completar ligações, então tivemos algumas ocasiões de ir andando até o restaurante e encontrar nada.
Nossas opiniões sobre os restaurantes
Le Malarte: restaurante popular no centro de Arles, com a vantagem do horário (pratos do dia e alguns outros itens do cardápio servidos a tarde toda, enquanto que a maioria dos restaurantes só servem das 12h às 14h30). Não é muito bem falado no Trip Advisor, mas eu digo: foi o steak tartar mais incrível que já comemos (fora do Brasil eu como carne bovina). Veja a foto na galeria. Muito grande, saboroso, e bastante satisfatório, ainda mais porque por 12 euros a gente não esperava grande coisa. Eu pedi costeletas de cordeiro, boas também, mas não tão incríveis como o steak tartar do Cris.
La Gueule do Loup: boas resenhas no Trip Advisor, cheio de estrangeiros falando em inglês, mas nos decepcionou. O único prato interessante foi a minha entrada, de escargot envolto em ninho de macarrão crocante, um molho com bastante gosto de manjericão, um pedaço de batata no centro. Mas a terrine de lagosta do Cris não tinha graça, nem nossos pratos principais: cubos de vitela e de polenta pra mim, uma carne para o Cris. Não tenho certeza, mas acho que pegamos a sobremesa, como parte do meu. Uma ilha flutuante até gostosa, mas que não compensou a falta de sabor dos pratos principais.
Le Criquet: tem resenhas entusiasmadas no Trip Advisor. A comida é realmente boa, mas ficamos imaginando se o entusiasmo dos resenhistas devia-se ao fato das atendentes serem mocinhas francesas bonitas que falavam inglês, e dos pratos virem bem mais rápido do que o costume local. Eu comi uma sopa de peixe de entrada, muito boa, e meu prato foi um stinco de cordeiro. Estavam bons. O Cris pediu um bourride (um ensopado de frutos do mar), uma delícia.
Estávamos a caminho de Saintes-Maries-de-la-Mer e resolvemos passar por Nîmes, para ver a incrível arena romana. Almoçamos na cidade, escolhemos o restaurante pela cara. Eu estava meio enjoada da culinária francesa, com vontade de algo mais leve, e quando vimos um restaurante de tapas com uma cara moderninha, foi lá que paramos.
La Bodeguita: também não tem boa avaliação no Trip Advisor, mas nós adoramos nosso prato especial de tapas. Na mesa ao lado, uma dupla pediu o que não era especial, e pudemos dar uma olhada. Parecia sem graça. Mas o nosso com lagosta, bolinhos de peixe, presunto pata negra, tortilla, estava uma delícia.
La Cave a Huitres: outro desencontro da nossa opinião com o Trip Advisor. Muito bem falado, com notas altas. Mas havia poucas resenhas, eu sempre desconfio quando são poucos resenhistas. 400 pessoas geralmente emitem uma opinião confiável. 16 podem ter um viés. Comemos boas ostras, mas achamos que não eram tão especiais assim, e caras. Também experimentamos as tellines, uns mariscos pequenos, cozidos com bastante tempero, que você come colocando a casca na boa e chupando pequeno molusco. Gostosinho, mas sem grandes méritos.
La Grange: um dos inúmeros restaurantes do centrinho de Saintes-Maries. Entramos porque fomos com a cara, sem ler resenhas. Comi uma parrillada de frutos do mar, o Cris pegou um prato típico da região, um filé de touro, com batatas e cogumelos. Tudo muito saboroso.
Na primeira noite chegamos perto das 21h na cidade, mas já não encontramos restaurante que nos aceitasse. Fomos parar numa pizzaria perto do hotel. Uma vista muito bonita, e um cardápio enorme, nem sei por que chamavam de pizzaria. Comi uma massa recheada, o Cris comeu um bife, mas sem nenhum destaque.
La Fete em Provence: o restaurante do hotel. Boa entrada de foie gras, pratos principais apenas bons, mas nada de destaque. Sobremesa foi bem ofensiva: pedimos o mil folhas, e em vez de massa folheada, vieram sembeis. Quase pedi pra devolver, perguntando se a gente tinha cara de palhaço. Bonzinho apenas. Escolhemos mais pela praticidade.
Perto do hotel, na rua de baixo, perto dos limites da cidade velha, havia um restaurante com uma cara boa e simpática, com uma moqueca anunciada no cardápio. Entramos (foi na noite em que chegamos), eles não estavam pegando mais gente porque já eram 21h. Ele perguntou de onde nós éramos, e quando falamos, ele começou a conversar com a gente em português com sotaque. Imaginamos que era um francês casado com brasileira. Então, se estiver em Vaison e sentir saudades do Brasil, vale a pena procurar. Pena que não anotamos o nome do restaurante, mas não deve ser difícil de achar.
David: nosso melhor jantar da viagem. Também restaurante do hotel, reservamos sem saber o que esperar. Ambiente requintado e uma vista de cair o queixo. Roussillon é a cidade onde há a última mina ativa de ocre, a vista era para um paredão ocre avermelhado. Entrada de ovo poché, legumes cozidos, presunto cru. Como prato um filé migno de porco espanhol, bem vermelhinho, com alhos, tomates cereja e batatas fritas em gordura de pato (5 batatas fritas, é a única coisa que eu tenho a reclamar do restaurante, malditos chefs conceituais, quem faz um prato com 5 palitos de batatas?) Minha sobremesa foi uma torta de maçã muito boa, o Cris pegou queijos (nossas entradas e prato principal foram iguais). Serviço bem atencioso, garçom que falava inglês. E aquela vista.
La Cabro d´Or: restaurante estrelado pelo guia Michelin, bem resenhado no Trip Advisor, nosso último dia no Sul da França, bem recomendado por uma amiga que entende de restaurantes. Mas não é que nos decepcionou?
Almoço no jardim do hotel, lindo lugar, bom serviço. A primeira entradinha foi um creme brulee de queijo de cabra e calda de mel. Sabores intensos, delicioso, ousado, muito bom. A segunda foi um foie gras com mousse de cebola (sem gosto de cebola, mania estranha dos restaurantes chiques acharem que têm que tirar o gosto de cebola das coisas com cebola), sorvete de ervilha, saladinha. Muito interessante também. Mas daí pra frente, só desandou. Lagostins com aspargos e morriles – lasgostins muito moles, morilles sem graça, um peixe com berinjela empanada, molho de tomate e um molusco comprido nada saboroso, costeletas de cordeiro sem nada de especial. Duas sobremesas: um sobert em cama de cubinhos de maçã e de abobrinha (juro), e um marshmallow de morango com algo que eles chamaram de carpaccio de morango (mas eram só morangos cortados bem finos).
Comida demais, e decepcionante. Eu não consegui comer a segunda sobremesa. Na verdade, desde o prato de peixe eu já sentia que estava comendo demais. Quando a garçonete veio tirar a mesa, falou em tom simpático algo que devia ser “foi comida demais para a madame”, mas que gosto de traduzir como “ahá, mais uma que foi vencida pelo marshmallow gigante cor de rosa”.
A gente chegou às 13h15 (tínhamos reserva e fomos os últimos a chegar, pra variar), e o cardápio dizia que esse tipo de menu podia ser pedido até às 13h30. Quando pedimos, o garçom disse que ia consultar o chef se ainda era possível fazer. Ele voltou dizendo que sim, mas ficamos pensando se o chef tinha compromisso e deixou o assistente cuidando das coisas a partir do terceiro prato. Isso explicaria muita coisa, menos o preço integral: menu para dois, duas meias garrafas de vinho (um espumante e um vinho branco) 376 euros.
Veja: a comida não era ruim. Mas, apesar do meu cardápio ser de menina (sem os preços), eu sabia que era um restaurante caro, e tinha uma noção de quanto estávamos pagando. Você vai a um lugar desses esperando nada menos do que o maravilhoso e surpreendente. A falta de tchans nas combinações e ousadia nos temperos foi uma grande decepção. Não valeu a pena.
Resumo do post sobre o Sul da França: diferente do Yelp em NY que acertou todas em 2012, o Trip Advisor sobre a França não foi um bom guru. Notas altas para lugares de que não gostamos, ou baixas para lugares de que gostamos. Não sei explicar o motivo, já que os dois têm o mesmo princípio de dar notas pelas resenhas de quem foi. Talvez NY tenha resenhistas mais homogêneos, imagino que são muitos nova yorkinos, e que nossos gostos batem um tanto. Já pra Europa é muita diversidade.
Meu conselho seria não perder as oportunidades de piqueniques com ingredientes caprichados, especialmente em lugares especiais, e ler as resenhas do Trip Advisor sabendo que há muita diversidade dos resenhistas.
Relato da viagem
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