Birdwatching no Peru – Manu National Park
- Texto: Claudia. Nikon D800 e Sigma 50-500 VR. Algumas fotos de grupo feitas pela Hideko Okita.
- Viagem com a Hideko Okita e a Rosemarí Julio.
- Guia ornitológico: Saturnino Llactahuaman. Tour leader: Adrian Rupp
- Período: 2 a 10 de outubro de 2013
- Post no Virtude sobre o roteiro anunciado pelo Adrian: http://virtude-ag.com/roteiro-peru-adrian-rupp/
- Originalmente publicado no Virtude-AG, com várias fotos diferentes: http://virtude-ag.com/viagem-peru-a-4-mil-metros-e-na-floresta-amazonica-out13-por-claudia-komesu/
Paisagens andinas com cenários amplos, campos abertos, regiões montanhosas, lagos espelhados a mais de 4.000 de altitude, céus imensos com nuvens de algodão. E tudo isso nem era o foco da viagem: era apenas o caminho para chegar até o Manu, um dos principais parques nacionais do Peru, Reserva da Biosfera com 18 mil quilômetros quadrados e mais de mil espécies de aves registradas, com destaque para os beija-flores nos jardins dos lodges, os gralhas, o galo-da-serra-andino, e aquela diversidade de aves amazônicas, em especial os bucconidae.
Setembro e outubro são os melhores meses. Claro que também há aves em outras épocas do ano, apenas é importante se informar sobre as chuvas, que podem variar um pouco. Neste ano, por exemplo, elas chegaram mais cedo e atrapalharam nosso passeio. Em algumas épocas do ano chove tanto que interdita as estradas por dias.
Logística: voo Guarulhos – Lima – Cusco. Dormimos uma noite em Cusco, depois pegamos uma van e fomos em direção a Manu. A entrada do parque fica perto de Cusco, são uns 120km, mas de estradas sinuosas. Fora a lerdeza de se passarinhar no caminho, então foram várias horas até o primeiro lodge, a Estação Biológica Wayqecha. Na volta saímos do Amazonia Lodge pela manhã e a previsão era chegar no meio da tarde em Cusco. Quase conseguimos! Tivemos um pneu furado, ficamos 4h na estrada, e chegamos em Cusco bem de noite. Dormimos em Cusco e pegamos o voo pra São Paulo às 6h.
Nosso guia ornitológico foi o excelente Saturnino Llactahuaman, peruano. O Satu conhecia bem todos os locais em que fomos. Visão e audição incríveis – um dos destaques foi o caburezinho andino (Glaucidium jardinii) 17cm, que ele avistou com a van descendo a estrada “Pygmy-owl!”, a gente desceu da van, ele apontou “there”, e eu fiquei vários segundos parada em frente à árvore tentando encontrar o bicho, mesmo depois que ele apontou com o laser embaixo dela. O Satu manteve foco total na gente, sempre atento e prestativo. Carregava a câmera, mas só fotografava quando todos já tinham visto a ave, e de um lugar que não atrapalhasse ninguém.
O único ponto negativo é que o Satu não fala português: é inglês ou espanhol. Nesse momento do caburezinho eu demorei pra me encontrar porque não entendi que ele tinha falado “Pygmy-owl”, então não estava procurando uma bolinha marrom, e sim alguma ave colorida.
O Adrian foi nosso tour leader, que é quem organiza a viagem, faz a ponte entre os clientes, o guia local, a hospedagem, cuida para que todos estejam seguros e se divertindo. Um conceito das agências internacionais de viagens, em palavras simples, o tour leader é a cola que mantém tudo junto. Os estrangeiros estão acostumados com um nível de serviço alto. Quem quiser saber mais sobre características de tour leaders, vale a pena olhar este link: http://www.gadventures.com/careers/tour-guide/
É preciso dormir duas noites em Cusco, uma na ida outra na volta. Desculpem, não anotei o nome dos hotéis. Cusco é uma cidade muito turística, tem dezenas de opções, é fácil ver pelo Booking.com. Na primeira noite, por um erro de comunicação, ficamos num hotel caro porque ele tinha um jardim florido, com a possibilidade de ver aqueles maravilhosos beija-flores andinos. Apesar do preço, teve a vantagem do serviço prestativo, inclusive oxigênio hospitalar (males da altitude).
Há muitas opções de hospedagem, apenas leve em conta que os hotéis do centro de Cusco não têm elevador. A pousada da ida só tinha térreo, então não houve problemas, e no hotel da volta demos sorte de ficar no térreo e não precisar subir escadas com as tralhas típicas de birdwatchers.
Na segunda noite já estávamos em Manu, e ficamos na Estação Biológica Wayqecha. Lugar muito bonito, com aves exclusivas daquela altitude, em especial thraupideos coloridos. Mas cheio de ladeiras.
Na segunda e na terceira noite ficamos no Cock-of-the-Rock Lodge, o lugar para ver o galo-da-serra-andino. Muitos beija-flores no jardim que ficava em frente ao restaurante, dava para fotografar até sob chuva (o que foi ótimo, porque pegamos muita chuva). E, apesar da chuva, conseguimos ver o show. Um espetáculo na beira da estrada, era estranho ver como a arena ficava a poucos metros daquele lugar onde passavam tantos carros e caminhões.
Na quarta, quinta e sexta noite ficamos no Amazonia Lodge, um local com vegetação mais semelhante à Amazônia brasileira, mas com altitude ainda alta o suficiente para não ter aquela profusão de insetos. Também festival de beija-flores, com várias moitas de Stachytarpheta sp, que floresce o ano todo e atrai muitos beija-flores. Eram moitas da flor lilás, mas o Michel Giraud, que tem um jardim maravilhoso na Guiana Francesa, disse que achou as vermelhas mais efetivas. Se está pensando em plantar, tente achar as vermelhas.
Estrutura dos quartos: No Cock-of-the-Rock Lodge há chalés espaçosos, com banheiro, e também há quartos pequenos, com banheiros externos. As pessoas costumam fazer a reserva vários meses antes, para conseguir os chalés.
O Amazonia Lodge era uma antiga fazenda de chá, a estrutura é de balcões adaptados. Os quartos são amplos e confortáveis, mas todos os banheiros são externos, construídos depois. Há vários banheiros, e os funcionários limpam o tempo todo.
Lista de avistamentos (Lista_de_aves_da_América-do-Sul_Peru2013) feita pelo Adrian (nem todas marcadas com “foto” eu fotografei – ou porque estava difícil e não era lifer, ou porque não consegui). Planilha do South American Classification Committee, com uma coluna para os nomes populares em português das espécies que também têm no Peru.
As espécies brasileiras que eu nunca tinha visto: beija-flor-violeta, beija-flor-de-cauda-dourada, beija-flor-estrela, beija-flor-azul-de-rabo-branco, asa-de-sabre-cinza, anambé-preto, ariramba-da-capoeira, gralha-violácea, anhuma, sete-cores-da-amazônia, cantador-galego, socó-boi-escuro, periquito-de-asa-azul, japu-pardo, caraxué, pomba-botafogo, surucuá-de-cauda-preta, arapaçu-galinha, pipira-de-máscara, corujinha-relógio, papa-capim-preto-e-branco, rapazinho-de-boné-vermelho, capitão-de-bigode-limão, capitão-de-colar-amarelo, mergulhão-de-orelha-amarela, gaturamo-verde, pisa-n´água, maria-da-praia, maria-te-viu, inhambu-preto, gavião-de-costas-vermelhas, gralhão, casaca-de-couro-amarelo, pomba-de-coleira-branca.
Algumas das outras espécies brasileiras que vimos: ferreirinho-de-sobrancelha, urubu-da-mata, saíra-de-cabeça-azul, cigana, curió, picaparra, gavião-pega-macaco, cardeal-da-amazônia, cigarrinha-do-campo, pintassilgo, marreca-pardinha, urutau, mãe-da-lua-gigante, beija-flor-tesoura-verde, trinca-ferro, socó-boi, trinta-réis, garça-real, caneleiro-preto, sanhaçu-da-amazônia, maracanã-guaçu, jacutinga-de-garganta-azul, catatau, pomba-do-orvalho.
Das peruanas destaque para o galo-da-serra-andino (Rupicola peruvianus), a Green Jay – gralha-inca (Cyanocorax yncas), o Golden-headed Quetzal, a rara arara-militar (Ara Militaris), os thraupideos coloridos: Golden-collared Tanager, Flame-crested Tanager, Blue-capped Tanager, Hooded Mountain-tanager, Scarlet-belllied Tanager, Golden Tanager. (nomes em português não são oficiais)
Momentos especiais: duas espécies que eu gostei muito de fotografar – um casal de periquito-de-asa-azul no Amazonia Lodge. Eles visitavam uma árvore de fruta-pão, num pedaço do tronco havia uma depressão onde eles iam beber água. Naqueles passos lentos e calculados de psitacideo, tranquilos, sem pressa. Eles apareceram dois dias. Um trinta-réis-anão (acho que era o anão), pairando e peneirando em meio à chuva. Chovia consideravelmente, ele não se importava, eu também não.
Chegamos na quarta. Quinta fez sol. Na sexta à tarde começou o clima de Cloud Forest, e pegamos tempo fechado e em alguns momentos chuva de não poder sair do lodge, ou ter que voltar da trilha, no sábado, domingo, segunda e terça. Quarta era o dia de voltar pra Cusco, e o tempo abriu.
As chuvas chegaram adiantadas neste ano, geralmente começam em novembro. Atrapalharam bastante o passeio, e com isso vimos muito menos aves do que deveríamos ver.
Não é que vimos poucas aves. Tenho fotos de mais de 130 espécies, sendo que mais de 30 são lifers brasileiros. O Adrian disse que a expectativa era de registrar mais de 200 espécies. O grupo tem fotos de 163 espécies (umas 30 que eu não fotografei porque não consegui ou porque não quis), e contando voz e avistamentos sem fotos foram quase 270 espécies.
Temperatura amena, frio em alguns dias nas altitudes maiores. Bastante frio em Cusco. Tem que levar fleece.
Poucos insetos, porque a altitude ainda era relativamente alta.
Não importa a época do ano, se você vai pra uma floresta tropical precisa estar preparado pra chuva. O que eles chamam de época seca é apenas o período que chove menos. Guarda-chuva portátil, capa de chuva, capa de chuva pra câmera. Eu uso uma que comprei na Amazon: um invólucro de plástico comprido, apertado na parte perto da lente, largo na parte do corpo da câmera, dá para fotografar sob chuva leve.
Mas o lugar é muito úmido de qualquer forma, de ficar com a mala cheirando a mofo. No dia da volta pegamos um gavião-pega-macaco bem baixo, em voo. Ele enche o quadro da minha câmera, isso com 7.300 pixels. Mas a foto não ficou boa porque entrou umidade na lente, e na sexta abriu o sol. A lente embaçou justo no momento em que o gavião apareceu.
Foi sofrido. Não o tempo todo, mas nos momentos em que a dor de cabeça vinha, era terrível. Coincidência ou não, já no avião comecei a sentir uma dor de cabeça que nunca tinha sentido, de latejar. No aeroporto estava ruim, depois melhorou um pouco pra mim. A Hideko precisou de oxigênio, e uma das primeiras fotos do passeio foi ela deitada na cama, com aquela máscara ligada a um cilindro hospitalar. No trajeto para Manu chegamos a mais de 4 mil metros, e depois começamos a descer. Nesse ponto de 4 mil metros nem sofremos tanto, depois foi num outro ponto, mais baixo, que voltamos a nos sentir mal.
Fizemos como manda o figurino: muita água, refeições leves no primeiro dia, nada de esforço físico. Não mascamos folhas de coca ou tomamos chá porque chegamos à noite, a mulher da pousada disse que não ia nos ajudar, que só ia tirar o sono.
Fora no Wayquecha, onde comi cuscuz de quinoa – e gostei, uma delícia; no café da manhã um milho diferente tostado, acompanhado de duas fatias de queijo boliviano, também muito bom – nos outros lodges a comida era internacional. Frango com mostarda. Espaguete com frango e legumes. Carne com purê de batatas. Comida bem feita, mas sem as aventuras de conhecer o sabor local.
Na primeira noite em Cusco tive a oportunidade de experimentar algo local: o chupe de camarones, outra delícia. Ótimos frutos do mar, e muito sabor, temperos e ervas que eu nunca tinha provado.
Destaco também os lunch box que o Satu fornecia. Quando ouvi lunch box estava preparada para um sanduíche sem graça, iogurte e fruta. Mas não. O Satu sabia onde encomendar marmitas. Nosso almoço vinha num tupperware – frio mas delicioso. Os peruanos comem muito frango. Então era frango com alguma coisa. O primeiro foi pedaços de frango grelhados, com um arroz bem firme e que parecia acompanhar alguma castanha. Comemos numa sala pequena, de teto baixo, cheia de mesas e peruanos. As pessoas podiam pedir comida do restaurante, ou pagar só pelo uso da mesa. Em cima da mesa, um molho picante, com hortelã e outras ervas. Eu achei muito bom. No dia que mudamos do Cock-of-the-Rock pro Amaziona Lodge o almoço também foi box lunch, frango com fatias de batata doce e outros legumes grelhados. De sobremesa tinha frutas como maracujá doce, outra delícia peruana, os do Brasil não são iguais.
O Peru tem ficado famoso pela culinária. Em São Paulo, se destaca o La Mar, e conheci o Suri em Pinheiros. Numa próxima viagem pro Peru, provavelmente com o Cris, faremos um pequeno tour gastronômico, com foco nos pratos típicos com esses temperos tão saborosos.
Malária: Teoricamente é obrigatório tomar a vacina contra malária pelo menos 10 dias antes da data da viagem, mas ninguém pediu nosso comprovante.
Aeroporto tumultuado: O controle de passaporte do Peru é horrivelmente lento. Se a sua mochila é como a minha, (12 kg de equipamento e sem rodinhas), recomendo comprar algo como um daqueles suportes portáteis com rodinhas, para amarrar a mochila no suporte e conseguir levá-la.
Energia elétrica: 220v e pino redondo semelhante ao antigo padrão brasileiro. Vários lugares ofereciam aquela tomada que tem entrada para pino redondo e chato.
No Wayqecha e no Cock-of-the-Rock Lodge só havia energia elétrica das 18h às 21h. No Amazonia Lodge já havia energia elétrica o tempo todo.
Para quem sonha com a idílica América do Sul de algumas décadas atrás, é preciso avisar: o soles e o real estão 1 pra um 1. A economia do Peru está crescendo, os serviços turísticos se modernizando, os custos sobem.
O Peru não é mais um país barato. E viajar nesse esquema passarinheiro, então é caro. Quer dizer, não é caro: imagine que tínhamos um guia ornitológico, um motorista, e um tour leader. Eu sei que eles não estavam lucrando muito, mas éramos um grupo pequeno, de 3 pessoas. Nossos custos foram de US$ 2.000 (o pacote da viagem, exceto a parte aérea) + US$ 560 (trecho aéreo São Paulo – Cusco com taxas) + uns US$ 500 (hospedagem em Cusco, bebidas, táxi aeroporto, caixinha de guias).
O Peru é um super-destino. Reúne paisagem, história, gastronomia, muitas aves, estrutura turística bem desenvolvida considerando a localização. Manu é um parque famoso mundialmente, mas não está totalmente a salvo. Sofre pressões de quem tem interesse no extrativismo, em especial a mineração. O trecho da estrada nos arredores do Amazonia Lodge tinha um fluxo alto de carros, caminhonetes e muitos caminhões. Em alguns trechos a estrada era estreita, e a nossa van ou o outro carro era obrigado a dar ré até um trecho um pouco mais largo.
As cidades nos arredores dos parques se desenvolvem, pressionam por estradas asfaltadas. Penso em como vai ser para as aves, locais como a arena do galo-da-serra-andino que fica bem na beira da estrada. Quando asfaltarem os galos ainda virão dançar, como fazem há centenas, provavelmente milhares de anos?
Raramente a natureza vence em disputas como essa.
Nosso guia Satu não era apenas um bom guia ornitológico: além da dedicação integral, típica de quem está acostumado a atender os exigentes gringos, ele também se mostrou uma pessoa consciente. No nosso último jantar juntos, ele fez um pequeno discurso de despedida. Agradeceu por termos escolhido o Peru como o destino do nosso passeio, pela oportunidade de ser nosso guia. Falou que Manu sofre ameaças de outras formas de exploração econômica, e que ao nos hospedarmos nos lodges de lá contribuímos para que aqueles lugares continuem voltados à preservação da natureza.
Pretendo voltar para o Peru, provavelmente com o Cris, e recomendo bastante a viagem para Manu. Agradeço a companhia das queridas Hideko e Rosemarí. Uma viagem com várias dificuldades, especialmente a chuva, mas com a alegria e o companheirismo de vocês, tudo foi mais fácil. Agradeço ao Satu por toda dedicação e empenho, um grande guia. E agradeço ao Adrian por ter feito esse roteiro que nos deu a oportunidade de conhecer o Peru passarinheiro. Sempre tive interesse no Peru, mas achava que só com agências internacionais, agora sei que há outras formas. Obrigada a todos.
Mais relatos de viagens